Os dados do Banco de Pagamentos Internacionais levam a duas grandes conclusões. A primeira, é que o ênfase que se põe habitualmente no perigo que acarreta a dívida pública (sem o desprezar) é um disfarce para ocultar o principal câncer que assola a economia capitalista, a dívida privada.
E a segunda, que este cancro é tão grande que torna completamente insustentável o sistema.
No passado dia 18 de março de 2013, o Banco de Pagamentos Internacionais (BIS - Bank for International Settlements) atualizou séries históricas sobre a dívida privada de quarenta países.
Os dados referem-se ao sector privado não financeiro que inclui empresas, famílias e instituições sem fins lucrativos e foram tomados a partir de diferentes anos de partida, segundo os casos, e após terem sido homogeneizadas as diferentes formas em que as dívidas foram geradas.
Surpreendentemente, estes dados têm passado muito despercebidos nos meios de comunicação apesar de provocarem calafrios e, pelo menos do meu ponto de vista, levam a duas grandes conclusões. A primeira, é que o ênfase que se põe habitualmente no perigo que acarreta a dívida pública (sem o desprezar) é uma cortina de fumo para ocultar o principal cancro que assola a economia capitalista e que é a dívida privada. E a segunda, que este cancro é tão grande que torna completamente insustentável o sistema, porque este não será capaz nem de amortizá-la nem de a fazer desaparecer graciosamente.
Dos dados que o Banco de Pagamentos Internacionais proporciona para os diferentes países podem extrair-se resultados como os seguintes:
- A dívida privada dos Estados Unidos (cujo PIB é de 16 biliões de dólares) era de 24,98 biliões de dólares (milhões de milhões) em 30 de setembro de 2012.
Segundo os dados do BIS, este volume de dívida é duplo do que tinha há apenas nove anos.
- A dívida dos países da zona euro era de 15,70 biliões de euros (face a um PIB de 8,7 biliões) na mesma data, e também duplicou nos últimos nove anos. O Reino Unido, que tem uma dívida privada total de 3,1 biliões de libras (PIB de 1,4 biliões), só precisou de 7 anos para a duplicar.
Por outro lado, os dados mostram que a evolução da dívida na imensa maioria dos países apresenta algumas características comuns:
- A dívida privada em relação ao PIB tem aumentado extraordinariamente em quase todos os países, de cerca de 50% do PIB nos anos 60 ou 70 do século passado para 300% ou inclusive mais na atualidade.
- Ainda que a percentagem que representa o crédito que os bancos proporcionam sobre o total tenha diminuído muito, ao longo dos últimos anos, continua a ter um grande peso juntamente com o que proporcionam outro tipo de entidades financeiras não bancárias.
- Finalmente, os dados do BIS assinalam que o crédito às famílias, que tradicionalmente era bem mais baixo do que o que recebem as empresas, aumenta muito nos últimos anos, o que claramente reflete a perda continuada de poder de compra, o que faz com que o recurso ao crédito seja cada vez mais necessário em maior número de famílias de quase todos os países.
Mas, sem dúvida, o que merece uma menção especial é a magnitude da dívida que se está a acumular e que já é materialmente impagável.
Isto é, não há nenhuma possibilidade de que o sistema a absorva na quantidade imensa que atingiu. Não pode haver rendimentos suficientes para a pagar sem que o sistema capitalista colapse.
Seguramente, muitas pessoas pensarão que não faz sentido que os bancos e as entidades financeiras em geral continuem a criar constantemente esses volumes tão grandes de dívida, que como temos visto duplicam a cada 7 ou 9 anos, sabendo que não a vão cobrar nunca. Mas faz sentido e é muito importante conhecê-lo.
O segredo consiste (como Vicenç Navarro e eu explicámos no nosso livro “Los años del mundo. Las armas del terrorismo financiero”, Espasa 2012)em que os bancos criam a dívida a partir do nada, realizando simplesmente meras anotações contabilísticas. Portanto, não lhes custa nada criá-las.
E, no entanto, essa dívida está associada a juros (isto é, a uma retribuição que pagamos aos bancos por nos dar dinheiro que criam a partir do nada), de modo que os bancos têm sempre um retorno suficiente para obter juros impressionantes e converter-se nos donos do mundo sem necessidade de que lhes seja devolvida a totalidade da dívida que criaram.
Só lhes basta emiti-la sem parar.
Graças aos juros, a dívida autoalimenta-se: necessita-se cada vez mais dívida para pagar a dívida anterior.
De fato, a imensa maior parte da dívida gigantesca que os dados do BIS registam (como a de todos os países) é dívida que foi preciso subscrever para fazer frente à dívida prévia que foi criada pelos juros que foi preciso pagar por uma dívida criada pelos juros de dívidas anteriores… e assim sucessivamente, formando-se desse modo a espiral que condena a imensa maioria da humanidade ao empobrecimento.
Na antiguidade as dívidas eram uma das origens da escravatura. Hoje em dia achamos que já está abolida mas é mentira porque a dívida continua a converter centenas de milhões de pessoas e famílias em todo mundo numa espécie particular de escravos, escravos de facto. A dívida tira-lhes a liberdade e condena-os por toda a vida, amarra-nos e converte as sociedades em verdadeiras prisões.
A dívida é a forma da nova guerra mundial contra a imensa maioria da humanidade que a banca trava sem a ter declarado.
Há que acabar com isso.
Há que abolir a escravatura da dívida e sabemos o que há que fazer para isso: principalmente, terminar com o privilégio irracional e imoral que permite aos bancos criar dinheiro a partir do nada, cada vez que dão um crédito.
Isso é o que os leva, na sua procura constante do máximo lucro, a pressionar de mil formas para que o modo de produzir e a nossa forma de consumir dependa total e artificialmente do crédito, que é o seu negócio.
FONTE: Juan Torres López
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