RUBENS BEYRODT PAIVA
Rubens Beyrodt Paiva (Santos, 26 de dezembro de 1929 — desaparecido em 20 de janeiro de 1971) foi um engenheiro civil e político brasileiro desaparecido durante o regime militar.
Era filho de Jaime Almeida Paiva, advogado, fazendeiro do Vale do Ribeira e despachante do Porto de Santos, e de Araci Beyrodt. Casou-se com Maria Lucrécia Eunice Facciolla, de 1929, com quem teve cinco filhos; Formou-se em Engenharia Civil pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, em 1954. Militou no movimento estudantil na campanha "O petróleo é nosso". Foi presidente do centro acadêmico e vice-presidente da UEE de São Paulo.
Sua vida política tomou impulso em outubro de 1962, quando foi eleito deputado federal por São Paulo. Assumiu o mandato em fevereiro do ano seguinte e participou da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, criada na Câmara dos Deputados para examinar as atividades do IPES-IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática). A instituição financiava palestrantes e escritores que escreviam artigos avisando sobre a chamada "ameaça vermelha" no Brasil. Nas investigações da CPI, Rubens Paiva começou a descobrir os cheques que eram depositados nas contas de alguns militares.
Com o Golpe Militar de 1964, devido ao fato de ter participado da CPI do IBAD, teve seu mandato cassado no dia 10 de abril de (1964), editado no dia anterior (AI-1) pela junta militar que assumiu o poder a partir da deposição de João Goulart.
Rio de Janeiro, do SNI, de caráter confidencial, assim apresenta os fatos subjacentes à prisão de Rubens Paiva:
“1. No dia 20 JAN 71 esta Seção foi informada que o CISA recebeu
ordem para proceder uma revista no avião da VARG que chegaria ao Aeroporto do Galeão às 00:00 do dia 20 JAN/71.
2. Quando da vistoria e revista da citada Aeronave foram detidas
CECILIA DE BARROS CORREIA VIVEIROS DE CASTRO e sua
acompanhante, Srta. MARILENE DE LIMA CORONA procedentes do CHILE, que traziam diversas cartas, de asilados políticos, para o Rio de Janeiro/GB.
2.2 Ao ser interrogada, MARILENE declarou que as cartas que
conduzia, deveriam Sr entregues no RIO, a um Sr. Por nome RUBENS que as faria chegar aos destinatários; o contato como referido cidadão seriamantido através o tel 2275362.
2.2.1. Através levantamento, foi apurado que o aparelho 2275362 está instalado à Av. Delfim Moreira nº 80, em nome de RUBENS BEYRODT PAIVA.
2.3 RUBENS BEYRODT PAIVA foi localizado, detido e levado para o QG da 3ª Zona Aérea e de lá conduzido juntamente com CECILIA e MARILENE para o DOI.” (fonte: ACE 446 – Arquivo Nacional)”.
Importante, e desde já, registrar que esse Informe, oficial e confidencial, datado de 25 de janeiro de 1971, tudo criteriosamente narrando, nada diz sobre “a fuga” de Rubens Paiva que, na versão oficial dos agentes públicos do Estado Ditatorial militar, teria ocorrido aos 22 de janeiro, para justificar, até hoje,seu estado de foragido.
Tivesse acontecido, de verdade, “a fuga” e, por óbvio, esse evento constaria desse pormenorizado registro.
Continuando, é de se conhecer trechos do depoimento de Cecilia, como encontrados na ACE 58.801 – fonte Arquivo Nacional: “Que a declarante em 19.01.71 ao retornar de uma visita que fizera a seu filho que estava no Chile foi detida no Galeão por umas pessoas que a retiraram do interior de uma das aeronaves da Varig... Que após ser retirada do avião a declarante foi levada para uma das dependências do Aeroporto do Galeão, mais precisamente na Base
Aérea, antigo aeroporto; Que ali a declarante foi revistada e teve a sua bagagem vasculhada, momento em que encontraram um pôster de Che Guevara; Que a declarante trazia sob a blusa algumas cartas que seriam colocadas nos correios para familiares de exilados no Chile que se encontravam no Rio de Janeiro; Que após o encontro das cartas a declarante foi levada para outra dependência do Galeão, antes porém colocando na mesma um capuz; Que nessa outra dependência a declarante sofreu toda a espécie de ofensas pessoais, tendo também naquela ocasião sido retirada a sua roupa, conseqüentemente sofrendo humilhações; Que passou o restante da noite no Galeão sofrendo ameaças e todo tipo de coação; Que no dia seguinte uma pessoa não identificada chegou no recinto onde se encontrava a declarante fazendo o comentário que o doutor já chegou.” Continua Cecilia no depoimento, e afirma:
“Que mais tarde a declarante foi colocada em um carro, sendo conduzida para uma dependência da Aeronáutica, situada nas
proximidades do Aeroporto Santos Dumont que depois ficou sabendo chamar‐se 3ª Zona Aérea; Que lá chegando foi conduzida a uma sala, onde durante algum tempo ficou sentada”.
Convictamente marcando a presença de Rubens Paiva, disse:
“Que naquele dia, a Terceira Zona Aérea estava com problemas de
viaturas, isto porque segundo soube posteriormente havia falecido o
Ministro da Aeronáutica FRANCISCO CORREA DE MELLO; Que também naquele dia a sua remoção foi retardada em função de uma procissão de S. SEBASTIÃO; Que ao ser colocada no carro, encontrou no interior do mesmo um homem com as mãos amarradas, com a camisa em desalinho,tendo algumas manchas de sangue sobre a mesma e o que mais marcou a declarante foi a fisionomia do mesmo o qual estava com os olhos esbugalhados; Que estava bastante vermelho naquela ocasião; Que evidentemente aquele homem estava vivo até aquele momento; Que ao ser levada para o tal aparelhão, a declarante supunha que ia para o DOI‐CODI, isto porque seu filho que foi algumas vezes preso por aquela organização, ao retornar para casa comentava que lá estivera; Que a declarante não sabia que o DOI‐CODI aquela época era o Batalhão da Polícia do Exército; Que a declarante deixa bem claro que ao entrar no carro que a levaria ao DOI‐CODI reconheceu RUBENS PAIVA, e também foi reconhecida por aquele senhor; Que esse reconhecimento foi apenas visual, não tendo na ocasião sido trocada nenhuma palavra; Que momentos antes de chegar no DOI‐CODI foi solicitada a declarante a ao seu acompanhante que colocassem uma toalha pequena sobre o rosto, sendo guiada por uma pessoa até determinado ponto, onde lhe colocaram um capuz na cabeça; Que a seguir lhe foi ordenado que colocasse as mãos na parede; Que nesse local a declarante não sabe informar quantas pessoas havia, porém uma coisa é certa: ali estavam RUBENS PAIVA e LENINHA, que também foi detida com a declarante quando do desembarque de ambas no Galeão, procedente do Chile;” Narra o momento da identificação dos presos, comprecisão:
“Que nesse meio tempo ocorreu a identificação de todos que ali estavam tendo a declarante se identificado como CECILIA VIVEIROS DE CASTRO; Que o identificador gritando para a declarante disse‐lhe que faltava alguma coisa, tendo então recebido como resposta seu nome completo CECILIA DE BARROS CORREIA VIVEIROS DE CASTRO; Que o mesmo identificador ao se dirigir para RUBENS PAIVA teve dificuldades em escrever o nome do mesmo, ou seja, o segundo nome, tendo naquela oportunidade o ex‐Deputado soletrado o seu nome, ou seja: BEYRODT.”
Mais uma vez positiva a presença de Rubens Paiva:
“Que durante esse interrogatório foi perguntado à declarante se conhecia a pessoa que estava com ela no carro que veio da Terceira
Zona Aérea; Que a declarante explicou que era RUBENS PAIVA, pai de alunas do colégio Sion, onde a declarante lecionava; Que a declarante tem a esclarecer que por diversas vezes o senhor RUBENS PAIVA lhe deu carona por morarem perto, e isso se dava toda vez que o mesmo ia buscar as filhas no citado colégio; Que esse fato acontecia, eventualmente;” E detalha:
“Que nesse local de vez em quando era aberta uma portinhola onde
era introduzida uma luz forte, ocasião em que perguntavam o nome do ocupante da sala; Que por diversas vezes a declarante teve de repetir o seu nome completo; Que dali pode ouvir o Sr. RUBENS PAIVA repetir o seu nome e ao que supõe pelo mesmo motivo que a declarante o fazia; Que igual procedimento foi feito por diversas vezes, porém em momento algum a declarante ouviu o nome de LENINHA, razão pela qual toda a sua atenção; Que por motivo dessa atenção a declarante ouviu uma voz do sexo masculino pedir água e um médico; Que como a voz de RUBENS PAIVA chegava até a declarante quando identificado, supõe a mesma que tais pedidos eram feitos pelo ex‐Deputado, por ser a única voz que chegava até aos ouvidos da declarante;”
Amilcar Lobo, Tenente‐Médico do Exército, tem depoimento seu transcrito no Informe nº 1334/86 do Departamento de Polícia Federal, Informe produzido aos 16 de setembro de 1986 e encaminhado à AC/SNI; CIE; CISA e CIM, depoimento prestado em 8 de setembro de 1986 noDOPS/SR/DPF/RJ, deixando por bem claro que:
“o declarante em data não precisa, mas certamente no mês de janeiro de 1971, por prestar serviços médicos no Primeiro Batalhão de Polícia do Exército foi chamado em sua residência para fazer um atendimento naquela dependência militar; Que eram aproximadamente duas horas quando um veículo tipo Volkswagen, modelo sedan, apanhou‐o em sua residência; Que chegando naquele local foi levado a uma dependência chamada presídio onde em uma das últimas celas, encontrou um indivíduo, segundo alegou a pessoa que encaminhou o declarante até aquele local, estava um indivíduo com fortes dores abdominais; Que o declarante esclarece que aquela dependência era conhecida como PIC, quer dizer, Pelotão de Investigações Criminais; Que o declarante não sabe informar se a pessoa que o conduziu era, ou não, militar, uma vez que trabalhavam em trajes civis; Que ao examinar o paciente verificou que o mesmo encontrava‐se na condição de abdomen em tábua, o que em linguagem médica pode caracterizar uma hemorragia abdominal, sendo que naquela situação parecia ter havido uma ruptura hepática; Que ao examinar o paciente este disse ao declarante chamar‐se RUBENS PAIVA; Que o declarante aconselhou a pessoa que o conduziu até aquela dependência que o paciente fosse imediatamente hospitalizado; Que ao retornar para a sua jornada normal de trabalho, naquele Batalhão, o declarante recebeu a notícia de que a pessoa a quem fizera atendimento de madrugada havia falecido; Que o declarante tomando ciência da reabertura do caso de desaparecimento de RUBENS PAIVA, achou por bem tornar público aquilo que sabia.”
Reafirmando o trecho retro, disse, ainda, Amilcar Lobo:
“Que o declarante gostaria de registrar que na oportunidade em que
fez o atendimento a Rubens Paiva, este proferiu seu nome duas vezes, ou seja, no início do atendimento e no final do atendimento;
Que esse fato de identificar pessoas atendidas não é, digo, não era
normal, tendo inclusive uma norma interna que proibia esse tipo de
pergunta; Que o declarante face a sua experiência profissional pode
afirmar que face ao estado clínico apresentado naquela oportunidade por RUBENS PAIVA, teria o mesmo apenas algumas horas de vida;
Que as chances de sobreviver seriam de apenas vinte por cento; Que no atendimento a RUBENS PAIVA o declarante de sua residência até o PIC deveria ter gasto apenas meia hora; Que em função dessas circunstâncias, provavelmente RUBENS PAIVA morreu nas dependências do PIC; Que em função das escoriações apresentadas por RUBENS PAIVA, o declarante admite que o mesmo tenha sido torturado, evidentemente não podendo afirmar em que local.”
Finalizando o depoimento, acrescenta Amilcar Lobo:
“Que na época da ocorrência o declarante supõe que o Comandante do 1º BPE seria o Coronel NEY FERNANDES ANTUNES; que a época o Comandante do PIC era o Capitão LEÃO, não sabendo o declarante maiores detalhes como identificá‐lo;” ( todas as transcrições do depoimento de Amilcar Lobo extraídas da ACE 58720 – fonte ArquivoNacional ).
Esse quadro desmonta a farsa que, na ocasião, o comandante do I Exército, general Sylvio Frota, prestando informações ao Superior Tribunal Militar, nos autos do habeas‐corpus 30.389, insistia em manter, e posta nesses termos:
“a)‐ Nada se conseguiu apurar, neste Exército, que altere o sentido ou os termos do Ofício nº 110/CP, de 3 de Fev 71, do comando anterior, em que se afirma: “O paciente não se encontra preso por ordem, nem à disposição de qualquer OM deste Exército. Esclareço, outrossim, que segundo informações de que dispõe este Comando, o citado paciente quando era conduzido por Agentes de Segurança, para ser inquirido sobre fatos que denunciam atividades subversivas, teve seu veículo interceptado por elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado, o que está sendo objeto de apuração por parte deste Exército.” (consulte‐se: ACE nº 58477 – fonte ArquivoNacional ).
Ainda mais: os próprios depoimentos dos componentes da equipe “que conduzia Rubens Paiva ao momento da interceptação do veículo” são, entre si, contraditórios.
Com efeito, enquanto o então capitão Raimundo Ronaldo Campos, quem “comandava a diligência” afirma que “... todos se jogado no chão para proteção do ataque, logo a seguir se postaram para revidar ao ataque, momento em que viram uma pessoa atravessar a rua em meio a outro carro”, os outros dois comandados, os sargentos e irmãos Jurandir e Jacy Ochsendorf textualmente registram: “que o declarante não pode afirmar ter visto o prisioneiro se evadir do local” e “que o declarante não sabe informar qual o destino tomado pela pessoa que o acompanhava no banco de trás do carro, tanto assim que nem chegou a ver a citada pessoa sair do carro.” Aliás, osirmãos Ochsendorfsequer garantem que Rubens Paiva estava no carro:
“ Que o declarante não pode precisar da forma que tomou conhecimento do nome do prisioneiro como sendo RUBENS PAIVA, mas que pode ter sido através do órgãos de imprensa que noticiaram o fato, ou se foi através da sindicância instaurada no DOI‐CODI e que foi presidida pelo Major NEY MENDES.” (consulte‐se: depoimento de Jurandyr na ACE nº 13.761 – fonte
ArquivoNacional).
“Que o declarante não pode precisar se a pessoa que estava transportando era mesmo RUBENS PAIVA; Que isso lhe foi assegurado por seu superior, que estava fazendo a sindicância.
Que para o declarante é o que basta.” ( consulte‐se: depoimento de Jacy na ACE nº 13.761 – fonte ArquivoNacional).
O mirabolante nessa farsa montada mais se evidencia quando se sabe, e reconhecido ficou, que o Volkswagen, usado na diligência pelo capitão e os sargentos, não era o de Rubens Paiva, como está claro na transcrição, que retro foi feita, das palavras do próprio general Sylvio Frota para o Superior Tribunal Militar, então, “os que interceptaram” o carro, “onde estava Rubens Paiva”, de dentro do DOI/CODI teriam obtido informação sobre a viatura, por alguém da própria corporação, que realizava a diligência...
Situação, obviamente, inimaginável!
Como, igualmente, insustentável e a atingir as raias do cinismo, essa ilação do encarregado da sindicância,major Ney Mendes:
“Não houve em qualquer hipótese algum indício de responsabilidade a apurar‐se por parte dos agentes de segurança. Pelo contrário, demonstraram iniciativa, coragem, e um elevado grau de instrução em face da surpresa e superioridade dos elementos desconhecidos. Na refrega houve a evasão do Sr. RUBENS BEYRODT PAIVA para local ignorado, não sabendo as autoridades de segurança o seu paradeiro, de vez que a preocupação dos referidos agentes era de se defender e também a do seu acompanhante, cujas conseqüências foram a queima do carro e a interrupção das diligências que estavam se processando. Diligências outras foram e ainda continuam sendo encetadas no sentido de descobrir não só os autores de tão monstruoso atentado contra os agentes de segurança, como também para localização do acompanhante RUBENS BEYRODT PAIVA.” (consulte‐se: ACE nº 59.170 – fonte ArquivoNacional ).
O Estado Ditatorial militar, por seus agentes públicos, manipula, impunemente, as situações, então engendradas, para encobrir, no caso, o assassinato de Rubens Beyrodt Paiva consumado no Pelotão de Investigações Criminais – PIC – do DOI/CODI do I Exército.
Nenhum comentário:
Postar um comentário