ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS CONTRA DÍVIDA
É a primeira vez que uma frente deste tipo vê a luz do dia – foi, sem dúvida, um avanço histórico na luta contra a dívida. Este encontro surge como um eco inevitável do apelo lançado, em 1987, em Adis Abeba, pelo presidente Thomas Sankara e concretiza, 26 anos depois, a criação de uma frente comum contra a dívida. Artigo de Pauline Imbach (CADTM).
A montante do Fórum Social Mundial (FSM) de Tunes, decorreu, a 23 e 24 de março, o primeiro encontro mediterrânico contra a dívida, as políticas de austeridade e a dominação estrangeira, por um Mediterrâneo livre, democrático, social, solidário, feminista e respeitador do meio ambiente.
Organizado em resposta ao apelo da Frente Popular (uma coligação que reúne onze partidos políticos de esquerda radical, associações e personalidades independentes na Tunísia, dos quais um dos líderes, Chokri Belaïd, foi assassinado em 6 de fevereiro de 2013), o encontro reuniu uma vintena de organizações políticas mediterrânicas, nomeadamente a Front de Gauche e o NPA (França); Izquierda Unida, Izquierda Anticapitalista (Espanha), Sortu (País Basco), CUP (Catalunha); OKDE (Grécia); Bloco de Esquerda (Portugal); Sinistra Critica (Itália); Al Mounadil (Marrocos); organizações do Egito, Líbano, Síria, Argélia, Palestina,… estiveram também presentes organizações belgas, do Haiti, da Venezuela. É a primeira vez que estes partidos e organizações políticas da região mediterrânica se reúnem expressamente a propósito da luta contra a dívida ilegítima.
A reunião encerrou com um grande comício onde compareceram representantes de partidos políticos vindos do Egito, de Marrocos, da Argélia, de Portugal, do Líbano, da Síria, de Itália, da Palestina, da Grécia, de Espanha, da Catalunha, do País Basco, da França, da Bélgica, do Haiti, da Venezuela e da Colômbia. Num ambiente de entusiasmo, mas também de empenhamento, de revolta, de alegria e de força coletiva, cada qual afirmou a vontade do seu partido para trabalhar sobre o tema da dívida, contra a ditadura dos credores e pela emancipação dos povos.
Estiveram presentes mais de mil pessoas, incluindo grande número de jovens e mulheres. As intervenções dos oradores e das oradoras (a lamentar que, entre cerca de vinte intervenções, apenas três mulheres tenham sido convidadas a falar) foram intercaladas de palavras de ordem proclamadas em árabe. Os e as militantes presentes na sala demonstraram calorosamente a sua determinação em fazer estremecer o sistema capitalista e em fazer nascer atos fundadores de uma nova ordem mundial ao serviço dos povos.
Várias homenagens foram prestadas a líderes, revolucionários e militantes progressistas. O filme de homenagem a Chokri Belaïd suscitou forte emoção – Chokri Belaïd continua a ser uma figura muito popular e fonte de inspiração para muita gente. Mais tarde foi projetada uma curta metragem de homenagem a Hugo Chavez e ao seu empenho no desenvolvimento de políticas ao serviço do povo.
Durante mais de três horas as intervenções sucederam-se. Todos saudaram a revolução tunisina e em geral a Primavera Árabe, que permitiu derrubar os ditadores Ben Ali e Moubarak. Nesta fase histórica é necessário acrescentar uma dimensão internacional. A revolução tunisina é, para várias gerações, a demonstração concreta de que a revolução está longe de ser uma fórmula retórica e que o povo pode tomar em mãos o seu próprio destino. A conferência pública encerrou com uma intervenção vibrante do porta-voz da Frente Popular, Hamma Hammami, que fez uma exposição sobre a dívida inteiramente coincidente com a do CADTM.
Conforme sublinha o preâmbulo da declaração deste encontro mediterrânico contra a dívida, a queda de Ben Ali «permitiu desarmar a ordem capitalista neoliberal local, sem, no entanto, a derrubar. O regime social, que resulta da dominação histórica estrangeira e, mais recentemente, da reestruturação capitalista neoliberal mundial, continua de pé. Mas a crise revolucionária que a insurreição abriu continua activa. A vitória da revolução democrática e social na Tunísia continua a ser possível»i
Neste contexto, é preciso livrarmo-nos da dívida, que é um instrumento central de dominação e de opressão dos povos. Este instrumento de transferência de riquezas e de dominação política esteve no centro do debate. Os e as intervenientes afirmaram a necessidade de nos libertarmos dos ditames dos credores e das instituições financeiras internacionais, encabeçados pelo FMI e pelo Banco Mundial. Diversos oradores citaram os exemplos da Argentina, do Equador e da Islândia para mostrar que é possível desobedecer aos credores a fim de implementar políticas favoráveis à população. A auditoria da dívida pública foi igualmente apresentada como uma das estratégias possíveis para identificar as dívidas odiosas e ilegítimas, sublinhando-se a importância da mobilização nesse processo.
É a primeira vez que uma frente deste tipo vê a luz do dia – foi, sem dúvida, um avanço histórico na luta contra a dívida. Este encontro surge como um eco inevitável do apelo lançado, em 1987, em Adis Abeba, pelo presidente Thomas Sankara e concretiza, 26 anos depois, a criação de uma frente comum contra a dívida. «A dívida não pode ser reembolsada porque se nós não pagarmos, os credores de fundo não morrerão, disso podem estar certos. Em contrapartida, se pagarmos, somos nós quem morrerá, disso podem igualmente estar certos»ii. Os partidos reunidos em Tunes decidiram criar uma comissão de acompanhamento e voltar a reunir-se na Espanha em 2013 ou 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário