O ESCRITOR JOHN CASTI AFIRMA: "DECLÍNIO E QUEDA DA UNIÃO EUROPEIA SÃO INEVITÁVEIS"
Autor do livro "Acontecimentos Extremos - 11 Cenários para Uma Catástrofe", já lançado em Portugal, diz ao Expresso que as hipóteses de destruição da civilização humana são muito mais prováveis do que pensamos.
Todos os grandes sistemas estão
ligados em diferentes níveis de complexidade. Por exemplo: o aumento do
consumo de alimentos ricos em proteínas como a carne leva a um grande aumento
do consumo de água e energia
O desenvolvimento tecnológico criou
uma dependência tão grande da sociedade em relação a sistemas complexos que a
torna cada vez mais vulnerável ao colapso provocado por acontecimentos
extremos. É esta a mensagem do livro "Acontecimentos Extremos - 11
Cenários para Uma Catástrofe" (lançado pela editora Lua de Papel), do
conhecido escritor, matemático e especialista americano em sistemas complexos
John Casti, investigador do International Institute fo Applied Systems
Analysis, em Laxenburg, na Áustria. O autor, entrevistado pelo Expresso em
Lisboa, chama a um evento extremo "Acontecimento-X" e defende que
as hipóteses de destruição da civilização humana tal como a conhecemos são
muito mais prováveis do que pensamos.
No cenário de colapso da globalização
que refere no seu livro, inclui o declínio e queda do euro e da União
Europeia. Esta hipótese é inevitável? Sim, o declínio e a queda da União
Europeia são inevitáveis. Depois de isso acontecer, podemos imaginar quatro
ou cinco cenários, mas o que acho menos provável é que tudo volte a ser o que
era antes de existir a União Europeia: 27 países diferentes a fazerem 27
coisas diferentes, todos a regressarem às antigas moedas, a repor os
controlos de fronteira, etc. Não acredito que isso vá acontecer. Mas espero
que o problema não seja resolvido com uma guerra. A questão central da
criação da União Europeia era evitar uma nova guerra europeia, mas isso
poderá voltar a acontecer.
Uma guerra? Talvez uma guerra
económica ou uma guerra de informação e não uma guerra militar, mas seria na
mesma desagradável. Quando a psicologia de um grupo social é negativa, quando
as pessoas começam a ter medo do futuro, os eventos relacionados com esse
grupo têm tendência para se aproximarem mais de conceitos como
"local" em vez de "glocal", "separar" em vez de
"juntar", "rejeitar" em vez de "saudar". A
União Europeia tem hoje tantas situações de stresse que se gera uma
mentalidade de barco salva-vidas. O melhor exemplo foi quando os alemães
começaram a dizer: "Não queremos dar o nosso dinheiro para ajudar esses
gregos preguiçosos". Isso já não parece uma União mas antes uma aliança
económica de conveniência que quando deixou de o ser entrou em queda.
A queda da União Europeia pode
acontecer dentro de poucos anos? Se adormecesse hoje e acordasse dentro de cinco
anos, não estaria à espera de encontrar a UE (risos). A atual instabilidade
não pode ser sustentada por muito tempo.
Um dos 11 Acontecimentos-X do seu
livro - uma pandemia global - não é tão raro como os outros, porque existe
informação sobre várias pandemias na História recente. Porque escolheu este
evento? Tem razão, existem alguns casos de pandemias globais, como a peste
bubónica há alguns séculos, ou a gripe espanhola durante a I Guerra Mundial.
De facto, são eventos relativamente aos quais temos alguns dados, mas não os
suficientes para serem usados pela estatística e pela teoria das
probabilidades para sabermos quando acontecerá a próxima pandemia. Claro que
os 11 Acontecimentos-X que escolhi não têm o mesmo grau de magnitude e as
mesmas escalas de tempo. Alguns podem ocorrer em microssegundos, como o
impulso magnético que queima toda a electrónica, e outros demoram anos, como
a deflação global e o colapso dos mercados financeiros mundiais. Tentei dar
no meu livro um grande expectro de diferentes tipos de Acontecimentos-X e não
apenas aqueles que vemos todos os dias nos media, como o aquecimento global.
A ameaça de colapso generalizado da
internet
Quando fala da hipótese de falha generalizada
e de longo prazo da internet, não sugere qualquer solução para os atuais problemas estruturais, tecnológicos e de segurança da rede que podem conduzir
a este evento extremo.
Porquê? Porque ninguém tem ainda soluções convincentes
para lidar com este problema. Veja o caso do ciberterrorismo, que hoje é tão
falado. Algumas agências que precisam de manter medidas de segurança nos
bancos têm uma espécie de internet sombra, de internet privada. E este é de
facto um caminho, criar uma internet fechada, só para utilizadores militares
e membros de agências governamentais. Provavelmente há agências de
informações que têm este tipo de rede. A maioria das pessoas que hoje usa a
internet para fins profissionais certamente concorda que este sistema desenhado
na década de 1970 está a ser solicitado agora para resolver problemas que
nunca foram previstos nessa época.
O sistema está em stresse, com
excesso de complexidade e se um novo sistema não lhe suceder, mais complexo,
que possa lidar com comunicação, filmes, movimento bancário, comércio, etc.,
o sistema atual colapsa. Hoje já colapsa a toda a hora, só que de uma forma
muito localizada, mas não sabemos se se vai manter assim ou se poderá um dia
colapsar a nível global, como uma pandemia. Podemos também especular sobre
outras situações: a internet é um sistema tão complexo que um dia poderemos
acordar e encontrar na rede uma forma de inteligência completamente nova. O
que nós chamamos correntemente
internet é um cérebro gigantesco, mas que ainda não tem sabedoria,
inteligência. Mas se um nível elevado de complexidade é introduzido num
cérebro mecânico, não é um grande risco imaginar que um dia outra
inteligência comece de repente a controlar a energia da rede, todas as
comunicações, todos os sistemas de transporte, toda a distribuição de comida
e água, etc. E a hipótese de este cenário se concretizar não está assim tão
longe no futuro, está dentro do seu e provavelmente do meu tempo de vida
(risos).
As pessoas com fome cronica caíram de
18,6% da população mundial em 1990-92 para 12,5% em 2010-12, apesar de a
população mundial ter crescido 40% no mesmo período. Porque escolheu o
cenário da quebra global na cadeia de abastecimento de alimentos? Bom, a
população mundial continua a crescer, mas a produção alimentar não. Nas
grandes economias emergentes como a China, a Índia ou o Brasil, quando as
pessoas ficam mais prósperas querem geralmente mais proteínas e mais carne, o
que tem custos de produção muito elevados, em comparação com o arroz, o trigo
ou os vegetais. E gastam muito mais água e energia. Isto significa também que
o cenário da quebra global da cadeia de abastecimento de alimentos não é
independente dos outros cenários extremos do meu livro. Todos os grandes
sistemas estão ligados em diferentes níveis de complexidade. Claro que este
processo é dinâmico, mas é um problema de sistemas fantástico. Quase tudo o
que lemos sobre o assunto assume que a rede eléctrica poderá falhar mas que a
internet ou o sistema de controlo aéreo continuarão a funcionar, o que é uma
ficção. Precisamos de um grande esforço de investigação a nível mundial, do
tipo Projeto Manhattan (que levou ao fabrico da primeira bomba atômica , para
compreendermos verdadeiramente as infraestruturas de que dependemos na nossa
vida do dia a dia e de que dependeremos no futuro está dentro do seu e provavelmente do meu tempo de vida(risos).
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O fim das reservas mundiais de petróleo As pessoas com fome crónica caíram de 18,6% da população mundial em 1990-92 para 12,5% em 2010-12, apesar de a população mundial ter crescido 40% no mesmo periodo. Porque escolheu o cenário da quebra global na cadeia de abastecimento de alimentos?Bom, a população mundial continua a crescer, mas a produção alimentar não. Nas grandes economias emergentes como a China, a Índia ou o Brasil, quando as pessoas ficam mais prósperas querem geralmente mais proteínas e mais carne, o que tem custos de produção muito elevados, em comparação com o arroz, o trigo ou os vegetais. E gastam muito mais água e energia. Isto significa também que o cenário da quebra global da cadeia de abastecimento de alimentos não é independente dos outros cenários extremos do meu livro. Todos os grandes sistemas estão ligados em diferentes níveis de complexidade. Claro que este processo é dinâmico, mas é um problema de sistemas fantástico. Quase tudo o que lemos sobre o assunto assume que a rede eléctrica poderá falhar mas que a internet ou o sistema de controlo aéreo continuarão a funcionar, o que é uma ficção. Precisamos de um grande esforço de investigação a nível mundial, do tipo Projeto Manhattan (que levou ao fabrico da primeira bomba atómica), para compreendermos verdadeiramente as infraestruturas de que dependemos na nossa vida do dia a dia e de que dependeremos no futuro.
Quanto ao fim das reservas mundiais de petróleo, o gás natural, do gás de xisto, das energias renováveis e até da energia nuclear, podem ser alternativas ao fim das reservas do petróleo no futuro próximo? Com certeza mas o petróleo tem uma série de vantagens que as alternativas que referiu ainda não têm. Por exemplo, a energia nuclear pode certamente fornecer eletricidade mas não faz andar um avião, é preciso outra fonte de energia. Hoje ninguém questiona que o petróleo vai acabar um dia, o problema é quando é que tal irá acontecer. O acesso ao petróleo vai ser cada vez mais difícil, cada vez mais caro. Claro que podemos falar nas oportunidades de extração de petróleo no Ártico, no fundo do mar ao largo do Brasil, nas areias betuminosas, etc. mas são tudo alternativas muito caras. E põe-se sempre a questão: que quantidade de energia obtemos para a energia que gastamos a extrair o petróleo nestas condições?
É um problema semelhante ao aquecimento global. As pessoas não levam o problema a sério porque dizem: "Bom, o meu carro continua a circular porque as bombas de gasolina não estão fechadas". Mas quando as bombas de gasolina fecham por pouco tempo, por limitações locais de abastecimento ou uma série de outras razões, as pessoas ficam loucas. Obviamente que o fim das reservas de petróleo não vai acontecer de um momento para o outro, é um daqueles Acontecimentos-X que irá ocorrer progressivamente. E devemos estar felizes por isso, porque sabemos que vai acontecer e temos tempo para encontrar alternativas de abastecimento de energia.
Mas os países ocidentais estão a apostar cada vez mais no consumo de gás natural. O gás natural é interessante, porque tem muitas das caraterísticas do petróleo. Tem também algumas desvantagens: não é fácil de liquefazer, é menos flexível, é mais perigoso em termos de manipulação. E, em termos estratégicos, os maiores produtores mundiais de gás são também, muitas vezes, os maiores produtores de petróleo. São fontes de energia que estão nas mãos de muito pouca gente e em regiões politicamente muito instáveis do mundo, o que é preocupante.
Relativamente ao cenário da destruição do planeta por partículas exóticas, os resultados das últimas experiências do acelerador de partículas do CERN para encontrar o Bosão de Higgs parecem excluir um Acontecimento-X desse tipo. No meu livro queria ter uma grande diversidade de exemplos de Acontecimentos-X, desde aqueles cujo nível de gravidade não é especialmente elevado até outros que, se acontecerem, serão os mais dramáticos de todos e com um efeito quase instantâneo. No caso do evento a que se refere, nenhum dos físicos que consultei considerou que fosse uma possibilidade, mas também é verdade que nenhum disse que era de todo impossível. A questão é se na busca do Bosão de Higgs, o acelerador de partículas LHC poderá criar um tipo de partícula que provoque uma série de problemas que levem ao fim do planeta? Isso ainda não aconteceu, mas vão ser feitas mais experiências que exigirão ainda maiores níveis de energia do que os necessários para descobrir o Higgs. Mas não acredito que este cenário da partícula exótica seja muito provável.
Controlar e regular os acontecimentos extremos
É possível reduzir a complexidade das nossas sociedades e a nossa dependência das tecnologias complexas? Em princípio sim, podemos reduzir a complexidade da sociedade, mas para o conseguirmos isso quer dizer que as estruturas mais complexas têm de fazer voluntariamente um downsize. E não me parece que isso esteja de acordo com a natureza humana, em especial aquelas organizações e pessoas que têm uma vida altamente complexa, os chamados "top 1%". Eles não querem um downsize. Portanto, se o fosso continuar a alargar entre os sistemas de baixa e de alta complexidade e se não há um downsizing voluntário ou até - o que seria ainda mais raro - um upsizing dos sistemas de baixa complexidade, a natureza humana entrará em ação através de um Acontecimento-X para forçar um downsizing da complexidade existente.
A curto prazo será doloroso, custará muito dinheiro, provocará disrupção social e psicológica. Mas na perspetiva do longo prazo, não será assim tão mau, é uma oportunidade, cria uma quantidade de novos graus de liberdade, de nichos, onde as empresas, empreendedores e organizações podem adaptar-se e fornecer novos tipos de serviços e de produtos para levar a sociedade humana para um outro nível. Estes Acontecimentos-X não devem ser vistos de uma forma negativa, não são apenas um problema, são também uma oportunidade. Claro que depois de os nichos serem preenchidos, todo o processo começa outra vez, ao longo de anos ou décadas até o stress ser refeito de novo e a complexidade voltar, num processo cíclico.
O mais realista é não pensarmos como evitar os acontecimentos extremos mas antes como os controlar, regular. Por exemplo, para se prevenir o fogo numa floresta por vezes provoca-se deliberadamente um incêndio controlado numa parte para proteger toda a floresta de um desastre maior; ou nas falhas sísmicas injetasse água para provocar um pequeno sismo de modo a evitar evitar um grande sismo. E é isso que temos de aprender com os Acontecimentos-X: como reduzir a pressão mais do que tentar eliminar o problema. Mas para o fazermos, temos de antecipar esses acontecimentos, uma tarefa que cabe à investigação científica. O meu livro é precisamente uma espécie de apelo às armas para se levar a cabo um programa de investigação ambicioso com esse objetivo.
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