Obama e Putin vão repartir
o Médio Oriente?
O presidente Obama dispõe-se a mudar completamente de estratégia a nível internacional, apesar da oposição que o seu projeto suscitou no seio da sua própria administração.
A situação é muito simples. Os Estados Unidos estão a ponto de alcançar a auto-suficiência energética através da rápida exploração do gás de xisto e das areias betuminosas. [1] Esse fator determina o fim da doutrina Carter – adoptada em 1980 –- segundo a qual a necessidade de garantir o acesso ao petróleo do Golfo era um imperativo de segurança nacional. O mesmo sucede com o acordo de 1954 em que Washington se comprometia a proteger a dinastia reinante da Arábia Saudita, na condição de que esta última garantisse o acesso dos Estados Unidos ao petróleo da Península Arábica. Assim, chegou o momento de decretar uma retirada maciça que permitirá trasladar as tropas norte-americanas para o Extremo Oriente, para contrariar, ali, a crescente influencia da China.
Por outro lado, há que fazer o máximo esforço para impedir uma aliança militar entre a China e a Rússia. Para isso é conveniente oferecer à Rússia algo que desvie a sua atenção do Extremo oriente.
E para terminar, Washington já sente que não pode respirar por causa da sua relação, demasiado estreita, com Israel. Esta relação tornou-se demasiado onerosa, é injustificada no plano internacional, e está indispondo os Estados Unidos com os povos muçulmanos no seu conjunto.
Além disso, é conveniente castigar, claramente, Telavive pela sua escandalosa ingerência na campanha eleitoral prévia à eleição presidencial Americana, onde o governo israelita apostou contra o candidato ganhador.
Esses três fatores levaram Barack Obama e os seus conselheiros a propor um pacto a Vladimir Putin: Washington, reconhecendo implicitamente a sua derrota na Síria, está disposta a aceitar que a Rússia se instale no Médio-Oriente, sem que esta tenha que ceder nada em troca, e a compartilhar com Moscou o controle da região.
A esta intenção correspondeu a redação, por parte de Kofi Annan, do Protocolo expresso no Comunicado de Genebra adotado a 30 de Junho de 2012. Na altura, o objetivo não era senão o de achar uma saída para a questão síria. Mas esse acordo foi, de imediato, sabotado por vários membros da própria administração Obama, que filtraram para a imprensa europeia diversos detalhes sobre a guerra secreta contra Síria, incluindo a existência de uma Presidential Executive Order, (ordem presidencial), na que se ordenava à CIA a colocação de homens e mercenários no local.
Essa manobra manhosa levou Kofi Annan a renunciar às suas funções como mediador. A Casa Branca, pelo seu lado, preferiu manter um perfil discreto para evitar que as divisões existentes no seio do executivo aparecessem à luz do dia no meio da campanha para a reeleição de Barack Obama.
Nos bastidores, 3 grupos opunham-se naquele momento ao protocolo de Genebra:
• Os agentes implicados na guerra secreta,
• As unidades militares encarregues de enfrentar a Rússia,
• Os defensores dos interesses de Israel.
Imediatamente após a sua reeleição, Barack Obama empreendeu a expurgo. O primeiro a cair foi o general David Petraeus, que foi quem concebe a guerra secreta contra a Síria.
Depois de cair na armadilha sexual que lhe estendeu uma agente da inteligência militar, o diretor da CIA foi obrigado a demitir-se. Posteriormente, uma dezena de militares de alto nível foram colocados sob investigação por suspeita de corrupção. Entre eles o almirante James G. Stravidis, comandante supremo da OTAN, e o seu sucessor designado – o general John R. Allen – assim como o comandante da Missile Defense Agency (ou seja, o escudo anti-míssil), general Patrick J. O’Reilly. Para terminar, Susan Rice e Hillary Clinton foram alvo de fortes ataques por terem ocultado ao Congresso certos elementos sobre a morte do embaixador Chris Stevens, assassinado em Bengazi por um grupo islamista, provavelmente por ordem da Mossad.
Arrumados ou paralisados os elementos da oposição, Barack Obama anunciou uma profunda remodelação da sua equipe. Começou por pôr John Kerry à cabeça do Departamento de Estado. Kerry é um partidário declarado da colaboração com Moscou, em temas de interesse comum. Também é um amigo pessoal de Bachar al- Assad.
Obama continuou depois com a nomeação de Chuck Hagel para dirigir o Departamento de Defesa.
Hagel é um dos defensores da OTAN mas, acima de tudo, um realista. Denunciou sempre a megalomania dos neo-conservadores e o sonho de imperialismo global de que são anunciados. Além de que é um nostálgico da guerra fria, a época bendita em que Washington e Moscou repartiam o mundo sem muitas complicações. Junto com o seu amigo John Kerry, Chuck Hagel organizou em 2008, uma tentativa de negociação para levar Israel a restituir o colinas de Golã à Síria . E, para terminar, nomeou John Brennan para a chefia da CIA. Este assassino, de sangue frio, está convencido que a primeira debilidade dos Estados Unidos é a de ter criado e desenvolvido o jihadismo internacional.
A sua obsessão é a eliminação do salafismo e o desmantelamento da Arábia Saudita, o que aliviaria em definitivo a situação da Rússia no norte do Cáucaso.
A Casa Branca prosseguiu ao mesmo tempo as suas conversações com o Kremlin. O que deveria ser uma simples solução para o problema da Síria, converteu-se num projeto muito mais amplo de reorganização e partilha do Médio-Oriente.
É importante recordar que, após 8 meses de negociações, o Reino Unido e a França repartiram em segredo o Médio-Oriente (Acordo Sykes-Picot)-( na sequência da vitória sobre o Império Turco, na Península Arábica, na 1a Guerra Mundial, ilustrada no filme Lawrence da Arábia por ex). O conteúdo desse acordo foi revelado ao mundo pelos bolcheviques em 1917 quando chegaram ao poder na Rússia. E, assim se manteve a situação durante um século. O que a administração Obama tem agora em mente é um redesenho do mapa do Médio-Oriente para o século XXI, sob a égide dos Estados Unidos e da Rússia.
Nos Estados Unidos, apesar de Obama suceder a si próprio, a administração cessante não pode fazer mais que ocupar-se dos assuntos correntes. Só recuperou a plenitude das suas atribuições após a cerimónia de juramento, em a 21 de Janeiro de 2013. Após a investidura do presidente, houve uma audiência no Senado – a 23 de Janeiro – onde Hillary Clinton foi questionada sobre o mistério do assassinato do embaixador dos Estados Unidos na Líbia. A 24 de Janeiro teve lugar, no Senado, a audiência para a confirmação de John Kerry como secretário de Estado.
Imediatamente a seguir, os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU reuniram-se em Nova Iorque para examinar as propostas Lavrov-Burns sobre a Síria.
Essas propostas prevêm a condenação de toda a ingerência externa, a colocação de observadores e de uma força de paz da ONU, assim como um apelo aos diferentes protagonistas para que formem um governo de união nacional, e planifiquem a realização de eleições. É possível que a França se oponha, mas sem chegar por isso a recorrer ao veto contra o seu amo norte-americano.
A originalidade do plano reside em que a força da ONU se realizaria principalmente com soldados dos países membros da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC). O presidente Bachar al- Assad ficaria no poder, negociaria rapidamente uma Constituição Nacional com os líderes da oposição não-armada selecionados com a aprovação Moscovita e de Washington, e submeteria essa Constituição ao veredito popular, através da realização de um referendum organizado e realizado sob a supervisão dos observadores.
Este surpreendente cenário foi preparado há algum tempo atrás pelo general sírio Hassan Tourkmani (assassinado no atentado que sacudiu Damasco a 18 de Julho de 2012) e pelo seu homólogo russo Nikolai Bordyuzha. Os ministros das Relações Exteriores da OTSC adotaram depois – em 28 de Setembro de 2012 – uma posição comum sobre o tema, e o departamento da ONU encarregado das operações de manutenção da paz assinou com a OTSC um protocolo que outorga a essa organização prerrogativas similares às da OTAN.
Sob a denominação «Fraternidade inviolável», uma série de simulacros militares ONU/OTSC tiveram lugar no Cazaquistão de 8 a 17 de Outubro de 2012. Finalmente, um plano de colocação de «chapkas azuis» foi discutido – em 8 de Dezembro – no Comité Militar da ONU.
Depois da estabilização da Síria, uma conferência internacional por uma paz global entre Israel e os seus vizinhos deveria ter lugar em Moscou.
Os Estados Unidos estimam que não será possível negociar uma paz separada entre Israel e a Síria, porque os sírios exigem, em nome do arabismo, que se resolva primeiro a questão da Palestina. Mas, também, não será possível uma negociação de paz com os palestinos, devido à extrema divisão reinante entre estes últimos, a menos que a Síria se encarregue de os obrigar a respeitar um acordo aceite pela maioria. Portanto, toda a negociação deverá ter um caráter global, segundo o modelo da Conferência de Madrid (realizada em 1991).
De acordo com essa hipótese, Israel retirar-se-ia o mais rápido possível para as suas fronteiras de 1967 e os territórios palestinianos seriam fundidos com a Jordânia para formar o Estado palestiniano definitivo, cujo governo ficaria nas mãos da Irmandade Muçulmana, o que tornaria esta uma solução aceitável para certos governos árabes. Posteriormente, seriam devolvidos aos sírios os montes Golã em troca da sua renuncia ao lago das Tiberíades, conforme o esquema já elaborado em 1999 durante as negociações de Shepherdstown (1999). E, a Síria seria convertida na garante do respeito pelos tratados da parte jordano-palestina.
Como num jogo de dominó, ir-se-ia então ao tema Curdo. O Iraque seria desmantelado para dar lugar ao nascimento de um Curdistão independente e a Turquia seria chamada a converter-se num Estado federal, que concederia a autonomia à sua região curda.
Os norte-americanos desejam levar o redesenho até uma fase em que sacrificariam a Arábia Saudita, que deixou de ser-lhes útil. Este país seria dividido em 3 partes e algumas províncias passariam a fazer parte da federação jordano-palestina ou do Iraque xiita, consoante um velho plano do Pentágono intitulado «Taking Saudi out of Arabia»(“colocando os sauditas para fora da Arábia”), que data de 10 de Julho de 2002.
Essa opção permitiria a Washington deixar em mãos de Moscou uma ampla zona de influência, sem ter por isso que sacrificar parte da sua própria influência. É uma atuação semelhante à que pode ver-se no FMI, quando Washington aceitou aumentar o direito de voto dos países membros do grupo dos BRICS. Os Estados Unidos não cederam, nem um milímetro, do seu próprio poder, antes, obrigaram os europeus a renunciar a uma parte dos seus votos para abrir espaço aos membros do BRICS.
Este acordo político-militar está associado a um acordo económico-energético, já que, o que realmente interessava à maioria dos protagonistas da guerra contra a Síria era a conquista das reservas de gás desse país. Com efeito, importantes jazidas de gás natural foram descobertas no sul do Mediterrâneo e na Síria. Com o posicionamento das suas tropas neste país, Moscou melhoraria o seu controle sobre o mercado do gás para os próximos anos.
A oferta da nova administração Obama a Vladimir Putin é também o resultado de uma série de cálculos. O seu objetivo não é só desviar a Rússia do Extremo Oriente mas também neutralizar Israel. Embora um milhão de israelitas tenham também a nacionalidade americana, há outro milhão de israelitas russo-falantes. A presença de tropas russas na Síria seria um elemento dissuasor para evitar que os israelitas cedessem à tentação de atacar os árabes e que os árabes atacassem Israel. Assim, os Estados Unidos já não teriam que dedicar somas astronómicas à segurança da sua colonia judia.
A nova distribuição do jogo obrigaria os Estados Unidos a reconhecer, por fim, o papel do Irã na região. Washington quer, no entanto, a garantia que Teerã vai retirar-se da América Latina, região onde estabeleceu numerosas relações sobretudo com a Venezuela. Ignora-se ainda qual será a reação iraniana sobre este aspecto do dispositivo, mas Mahmud Ahmadinejad já fez saber a Obama que está disposto a fazer tudo o que esteja ao seu alcance para ajudá-lo a distanciar-se de Telavive.
Neste projeto há perdedores. Em primeiro lugar, a França e a Grã-Bretanha, que vão perder a sua influência. E depois Israel, que perderá a sua influência nos Estados Unidos e se verá reduzido à sua justa dimensão de pequeno Estado. Finalmente o Iraque, que será desmantelado, e possivelmente a Arábia Saudita, que há várias semanas vem fazendo desesperados esforços para reconciliar-se com todas as partes e tratar de escapar ao destino que se lhe prepara.
Mas, também há ganhadores. Em primeiro lugar, Bachar al-Assad, até ontem tratado pelos ocidentais como um culpado de crimes contra a humanidade e amanhã glorificado como o vencedor dos islamistas. E, acima de tudo, Vladimir Putin, o qual – graças a sua tenacidade ao largo do conflito – tira, finalmente, a Rússia do seu «containment», abre-lhe novamente as portas do Mediterrâneo e do Médio-Oriente, e obtêm o reconhecimento do predomínio russo sobre o mercado do gás.
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