Guerra dos EUA no Iêmen:
Dividir o Iêmen?
Os EUA e o reino da Arábia Saudita ficaram muito ansiosos quando o movimento iemenita dos houthis, ou Ansarallah (ar. “pilares de Deus”) conquistou o controle sobre a capital do Iêmen, Sanaa/Sana, em setembro de 2014. O presidente do Iêmen Abdrabbuh Manṣour Al-Hadi, apoiado pelos EUA, foi humilhantemente forçado a dividir o poder com os houthis e a coalizão de tribos do norte do Iêmen que haviam ajudado os houthis a tomar Sana.
Al-Hadi declarou que haveria negociações para a formação de um governo de unidade nacional do Iêmen, e seus aliados – EUA e Arábia Saudita tentaram usar um novo diálogo nacional e mediaram conversações, no esforço para cooptar e pacificar os houthis.
A verdade foi virada de pernas para o ar, em tudo que tenha a ver com a guerra no Iêmen. A guerra e a derrubada do presidente Abdrabbuh Manṣour Al-Hadi no Iêmen não são efeito de algum “golpe houthi” que tivesse acontecido no Iêmen. É o contrário disso: Al-Hadi foi derrubado porque ele tentou um golpe, apoiado por sauditas e EUA, para escapar das regras de partilha do poder que o presidente havia assinado; e para devolver o Iêmen à regra autoritária de antes. A derrubada do presidente Al-Hadi pelos houthis e seus aliados políticos foi reação não prevista à tentativa de golpe, para voltar ao poder autoritário de antes, empreendida por Al-Hadi com apoio e planejamento de Washington e da Casa de Saud.
Os houthis e seus aliados representam como uma “fatia” exemplar da diversificada sociedade iemenita e da maioria dos iemenitas. A aliança doméstica dos houthis contra o presidente Al-Hadi inclui muçulmanos xiitas e também muçulmanos sunitas. Os EUA e a Casa de Saud jamais supuseram que os houthis insistiriam em fazer valer os acordos firmados com o governo, a ponto de derrubar o presidente que se recusava a honrar aqueles acordos, mas a verdade é que essa reação estava em preparação há uma década.
Com a Casa de Saud, Al-Hadi, já desde antes de tornar-se presidente, envolveu-se na perseguição aos houthis e na manipulação da política tribal no Iêmen. Quando se tornou presidente, fincou os pés e pôs-se a trabalhar contra a implementação de tudo que fora fixado consensualmente nas negociações do Diálogo Nacional do Iêmen, realizado depois que Ali Abdullah Saleh foi obrigado a deixar o poder em 2011.
Golpe ou contragolpe:
o que realmente aconteceu no Iêmen?
Primeiro, quando tomaram a capital Sana no final de 2014, os houthis rejeitaram as propostas de Al-Hadi e suas novas ofertas para um acordo formal de partilha do poder, acusando Al-Hadi de ser homem sem moral que estava, de fato, renegando tudo que se comprometera a fazer quando assinara os acordos de partilha do poder. Naquele momento, a atitude submissa e subalterna do presidente Al-Hadi frente a Washington e à Casa de Saud já o havia tornado terrivelmente impopular no Iêmen, detestado pela maioria da população. Dois meses depois, dia 8/11/2014, o próprio partido do presidente Al-Hadi (Congresso Geral Iemenita do Povo), também já o destituíra do posto de líder do partido.
Os houthis chegaram a prender o presidente Al-Hadi e, dia 20/1/2015, tomaram o palácio presidencial e outros prédios do governo. Com apoio popular, cerca de duas semanas adiante, dia 6/2/2015, os houthis constituíram formalmente um governo iemenita de transição. Al-Hadi foi obrigado a renunciar. Dia 26/2/2015, em declaração oficial, os houthis denunciaram que os EUA e a Arábia Saudita preparavam-se para atacar e devastar o Iêmen.
A deposição de Al-Hadi foi duro golpe contra a política exterior dos EUA. A tal ponto que resultou em operação militar de emergência da CIA e do Pentágono, forçados a retirar do Iêmen, às pressas, todo o seu pessoal militar e de inteligência.
O Los Angeles Times noticiou dia 25/3/2015, citando funcionários dos EUA, que os houthis haviam confiscado grande quantidade de documentos secretos quando tomaram o prédio do Gabinete de Segurança Nacional do Iêmen, que trabalhava em íntima coordenação com a CIA, documentos que comprometiam as operações de Washington no Iêmen.
Al-Hadi fugiu da capital Sana para Aden, dia 21/2/2015 e dia 7/3/2015 declarou Aden capital do Iêmen. EUA, França, Turquia e seus mais íntimos aliados europeus fecharam suas embaixadas. Pouco depois, em movimento que provavelmente foi coordenado com os EUA, a Arábia Saudita, o Kuwait, o Bahrain, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos reabriram as respectivas embaixadas, já em Aden. Al-Hadi cancelou sua carta de renúncia à presidência e declarou que estava formando um novo governo no exílio.
Os houthis e respectivos aliados políticos recusaram-se a conceder as exigências de EUA e Arábia Saudita, que estavam sendo articuladas através de Al-Hadi em Aden, com a participação de uma Riad cada dia mais histérica. Resultado, o Ministro do Exterior de Al-Hadi, Riyadh Yaseen, pediu que Arábia Saudita e os petro-emirados árabes interviessem militarmente para impedir que os houthis alcançassem, dia 23/3/2015, o controle sobre o espaço aéreo do Iêmen. Yaseen disse ao jornal Al-Shark Al-Awsa, porta-voz dos sauditas, que era absolutamente necessária uma campanha de bombardeios e que tinha de ser imposta sobre o Iêmen uma zona aérea de exclusão.
Os houthis perceberam que começaria a guerra e que seriam atacados – e esse é o motivo pelo qual os houthis e seus aliados no exército do Iêmen correram a ocupar a maior quantidade possível de campos de pouso e bases aéreas do país, o mais rapidamente que puderam, como, dentre outras, Al-Anad. Para neutralizar Al-Hadi, dia 25/3/2015 os houthis invadiram Aden.
Quando os houthis e aliados entraram em Aden, Al-Hadi já fugira para um porto iemenita. E só ressurgiria para o mundo já na Arábia Saudita, quando a Casa de Saud começou a bombardear o Iêmen, dia 26/3/2015. Da Arábia Saudita, Abdrabbuh Mansour Al-Hadi voaria até o Egito para uma reunião da Liga Árabe, convocada para legitimar a guerra contra o Iêmen.
Iêmen e a mutável equação estratégica
A tomada de Sana pelos houthis aconteceu no mesmo cronograma que uma série de outros eventos, todos de vitórias regionais para o Irã, o Hezbollah, a Síria e o Bloco da Resistência e esses e outros atores locais formam coletivamente. Na Síria, o governo sírio conseguiu firmar-se em suas posições, enquanto no Iraque o movimento ISIL/ISIS/Daesh estava sendo forçado a retroceder pelo Iraque, com uma muito visível ajuda do Irã e de milícias iraquianas aliadas de Teerã.
A equação estratégica no Oriente Médio começou a mudar, quando se tornou claro que o Irã ia-se convertendo em item central da arquitetura de segurança e da estabilidade na região.
A Casa de Saud e o Primeiro-Ministro israelense, Benjamin Netanyahu, puseram-se a gemer e a reclamar que o Irã já controlava quatro capitais regionais – Beirute, Damasco, Bagdá e Sana – e que algo teria de ser feito para conter a expansão iraniana. Resultado da nova equação estratégica, os israelenses e a Casa de Saud tornaram-se perfeitamente alinhadas, em termos estratégicos, com o objetivo de neutralizar o Irã e seus aliados regionais. “Quando israelenses e árabes estão na mesma página, todos devem prestar atenção” – disse à Fox News o embaixador israelense Ron Dermer, dia 5/3/2015, comentando o alinhamento Israel-Arábia Saudita.
A construção frenética de medo promovida por israelenses e sauditas não deu certo. Segundo pesquisa do instituto Gallup, apenas 9% dos cidadãos norte-americanos consideravam o Irã como o pior inimigo dos EUA, no momento em que Netanyahu chegou a Washington para falar contra qualquer acordo entre EUA e Irã.
Objetivos geoestratégicos sauditas,
por trás da guerra no Iêmen
Embora, por seu lado, a Casa de Saudi sempre tenha considerado o Iêmen como província subordinada e parte da esfera de influência de Riad, os EUA querem assegurar o controle sobre o estreito de Bab Al-Mandeb, o Golfo de Aden e as ilhas Socotra. Bab Al-Mandeb é importante ponto estratégico para o comércio marítimo internacional e embarques de energia, que conecta o Golfo Pérsico, pelo Oceano Índico, com o Mar Mediterrâneo via o Mar Vermelho. É tão importante quanto o Canal de Suez para as rotas marítimas comerciais entre África, Ásia e Europa.
Israel também se envolveu, porque com o Iêmen controlado por houthis, Israel perde o acesso ao Oceano Índico via o Mar Vermelho e deixa de poder mandar seus submarinos para o Golfo Pérsico para ameaçar o Irã. Essa é a razão pela qual o controle sobre o Iêmen foi um dos pontos sobre os quais Netanyahu discursou no Capitólio quando falou ao Congresso dos EUA sobre o Irã, dia 3/3/2015, no que o próprio New York Times, logo quem, chamou de “o discurso nada convincente de Mr. Netanyahu ao Congresso.”
A Arábia Saudita visivelmente temia que o Iêmen viesse a alinhar-se formalmente ao lado do Irã, e que isso, naquela área, viesse a resultar em novas rebeliões contra a Casa de Saud na Península Arábica. Os EUA também visivelmente temem que isso aconteça, mas pensavam, mais, em termos de rivalidades globais. Impedir que Irã, Rússia ou China consigam firmar algum pé estratégico no Iêmen, como meio de impedir que outras potências venham a poder controlar o Golfo de Aden e se posicionem no estreito de Bab Al-Mandeb era uma das maiores preocupações dos EUA.
Além da importância geopolítica do Iêmen na supervisão de corredores marítimos altamente estratégicos, há também seu arsenal de mísseis militares. Mísseis do Iêmen podem alcançar qualquer navio no Golfo de Aden ou no estreito de Bab Al-Mandeb. Quanto a isso, o ataque saudita contra os depósitos de mísseis estratégicos do Iêmen interessam muito aos EUA e a Israel. O objetivo não é só impedir que os mísseis sejam usados para retaliar contra forças avançadas do exército saudita, mas, também, impedir que os mísseis estejam disponíveis para algum eventual governo iemenita que se alie ao Irã, à Rússia ou à China.
Numa posição pública que contradiz totalmente a política de Riad para a Síria, os sauditas ameaçaram usar força militar se os houthis e seus aliados políticos não aceitassem negociar com Al-Hadi. Resultados de mais essas ameaças dos sauditas, dia 25/3/2015 irromperam protestos de rua por todo o Iêmen contra a Casa de Saud. E assim as engrenagens foram postas em marcha para mais uma guerra no Oriente Médio, quando EUA, Arábia Saudita, Bahrain, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuwait começaram a preparar-se para reinstalar Al-Hadi no governo.
Os sauditas vão à guerra
Por mais que se fale da Arábia Saudita como potência regional, não é potência suficiente para confrontar, sozinha, o Irã. A estratégia da Casa de Saud tem sido formar ou reforçar um sistema de aliança regional para qualquer confronto contra o Irã e o Bloco da Resistência. Para isso, a Arábia Saudita precisa de Egito, Turquia e Paquistão – mal identificados pelo nome de aliança ou eixo “sunita” – para ajudá-la a enfrentar o Irã e seus aliados regionais.
Dia 17/3/2015, o príncipe coroado Mohammed bin Zayed bin Sultan Al Nahyan, o príncipe coroado do Emirado de Abu Dhabi e o Vice-Comandante Supremo do exército dos Emirados Árabes Unidos visitou o Marrocos, para falar sobre alguma resposta militar coletiva contra o Iêmen, dos petro-emirados, Marrocos, Jordânia e Egito. Dia 21/3/2015, Mohammed bin Zayed reuniu-se com o rei saudita Salman Salman bin Abdulaziz Al-Saud, para discutir também uma resposta militar ao Iêmen. Tudo isso enquanto Al-Hadi conclamava a Arábia Saudita e o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) para que o ajudasse com uma intervenção militar no Iêmen. Depois das reuniões, houve conversas sobre um novo pacto regional de segurança para os petro-emirados árabes.
Dentre os cinco membros do CCG, o Sultanato de Omã manteve-se à parte. Omã recusou-se a participar da guerra contra o Iêmen. Muscat tem relações amistosas com Teerã. Além disso, os omanitas desconfiam do projeto saudita e do CCG de usarem sectarismos para incendiar um confronto com o Irã e seus aliados. A maioria dos omanitas não são nem muçulmanos sunitas nem muçulmanos xiitas; são muçulmanos Ibadi e temem o incêndio que os EUA, a Casa de Saud e os outros emirados árabes estão tentando soprar sobre toda a região.
Os propagandistas sauditas trabalharam muitas horas extras para disseminar a ideia, falsa, de que a guerra seria uma resposta às tropas que o Irã estaria deslocando para as fronteiras da Arábia Saudita. A Turquia anunciaria, em seguida, apoio à guerra no Iêmen. No dia em que a guerra começou, Erdogan na Turquia disse que o Irã estaria tentando dominar toda a região, e que Turquia, Arábia Saudita e o CCG estavam gravemente incomodados.
Durante esses eventos, Sisi do Egito declarou que a segurança do Cairo, da Arábia Saudita e dos petro-emirados é una e indivisível. Na verdade, dia 25/3/2015, o Egito declarou que não se envolveria em guerra no Iêmen, mas, no dia seguinte, Cairo uniu-se à Arábia Saudita no ataque de Riad contra o Iêmen (o Egito enviou jatos e navios para o Iêmen).
Nessa mesma linha, o Primeiro-Ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, distribuiu declarações, dia 26/3/2015, segundo as quais qualquer ameaça à Arábia Saudita geraria “resposta forte” do Paquistão. A mensagem tacitamente estava dirigida ao Irã.
Papéis de EUA e Israel na guerra no Iêmen
Dia 27/3/2015, foi anunciado no Iêmen que Israel estava ajudando a Arábia Saudita no ataque ao país árabe. “É a primeira vez que os sionistas unem-se em operação conjunta com árabes” – Hassan Zayd, líder do partido Al-Haq do Iêmen, escreveu pela internet, chamando a atenção para os interesses convergentes entre Arábia Saudita e Israel.
Mas essa aliança Israel-sauditas contra o Iêmen não é novidade. Os israelenses ajudaram a Casa de Saud durante a Guerra Civil do Iêmen do Norte, iniciada em 1962; naquela ocasião, Israel forneceu armas à Arábia Saudita para ajudar os monarquistas, contra os republicanos do Iêmen do Norte.
Os EUA também estão envolvidos, liderando “dos fundos”, ou à distância. Ao mesmo tempo em que querem um acordo nuclear com o Irã, trabalham para manter uma aliança contra Teerã, usando os sauditas. O Pentágono garantirá o que chamou de “apoio logístico e de inteligência” à Casa de Saud. Que ninguém se engane sobre esse ponto: a guerra contra o Iêmen também é guerra de Washington. O CCG atirou-se contra o Iêmen obedecendo ordens dos EUA.
Há muito se fala sobre a formação de uma força militar pan-árabe, mas as propostas voltaram à mesa, renovadas, dia 9/3/2015, com o selo da Liga Árabe. As propostas de uma força militar árabe unificada interessam aos EUA, a Israel e aos sauditas. A conversa sobre um exército pan-árabe foi motivada pelos preparativos desse mesmo trio para atacar o Iêmen, repor Al-Hadi no governo e confrontar regionalmente o Irã, a Síria, o Hezbollah e o Bloco da Resistência.
Dividir o Iêmen?
Dia 6 de março, a revista Foreign Policy dizia que “Estão sendo traçadas linhas de combate no Iêmen, o país mais pobre do mundo árabe e mais recente candidato a estado fracassado. Se, como parece mais provável a cada dia, a guerra irromper em breve, a disputa pela supremacia regional entre Arábia Saudita e Irã só tornará piores as coisas. As duas potências já se mostraram ansiosas por armar grupos que lhes parece que possam controlar, apesar do legado que essa rivalidade destrutiva já deixou na Síria e no Iraque”. Nada mais distante da realidade!
pragmatismo ou sectarismo?
Os houthis absolutamente não são ‘procuradores’ dos iranianos, não são, de modo algum. O movimento houthi é ator político independente, que emergiu como resultado da repressão. Pretender que os houthis seriam ‘delegados’ dos iranianos é erro empírico, e ignora toda a história e a política do Iêmen. Até a revista Foreign Policy teve de admitir que “Se eclodir uma guerra de oposições sectárias, não será porque haja alguma divisão sectária histórica no Iêmen; será porque os financiadores estrangeiros da guerra estão fazendo incendiar divisões sempre existentes, que nunca tiveram qualquer importância.”
Os líderes houthis repetidas vezes rejeitaram qualquer alegação de que receberiam ordens de Teerã. Nem os repetidos desmentidos contudo impediram que funcionários dos sauditas e Khaliji (do Golfo) e agentes da empresa-mídia usassem e manipulassem declarações de funcionários do Irã, como uma comparação dos houthis aos Basij do Irã, para pintar os houthis como se fossem agentes ou clientes do Irã.
Assim como os houthis não são agentes ‘procuradores’ do Irã, tampouco há qualquer aliança xiita entre eles e Teerã no Iêmen. Conversas, noticiário e ‘análises’ que se concentrem nessa narrativa simplória sobre sectarismo inexistente, servem para ocultar a natureza e as motivações reais do conflito no Iêmen – e encobrem, para vergonha eterna dos encobridores, a luta dos houthis contra a repressão. Até os anos 1970s, a Casa de Saud sempre foi dedicada apoiadora dos grupos pró-realeza no Iêmen – que eram predominantemente muçulmanos xiitas.
Sobretudo, os muçulmanos xiitas no Iêmen não são Jaffaris (‘Dos 12′) como a maioria dos muçulmanos xiitas no Irã, na República do Azerbaijão, Líbano, Iraque, Afeganistão, Paquistão e na região do Golfo Persa. Além de bolsões de xiitas ismailitas – que podem também ser chamados ‘Dos 7′ – nos governoratos de Saada, Hajja, Amran, Al-Mahwit, Sana, Ibb e Al-Jawf, a maioria dos muçulmanos xiitas no Iêmen são zaidistas. Os ismailitas no Iêmen são na maioria membros das seitas davidianas eSulaimani (Salomônicas) do ismailismo Mustali que se separou do grupo maior dos ismailistas Nizari(nizaristas).
Foi a hostilidade de EUA e sauditas contra o movimento houthi que empurrou os houthis a se movimentarem, pragmaticamente na direção do Irã, em busca de ajuda que lhes servisse como contrapeso. Nas palavras do Wall Street Journal, “militantes houthis que controlam a capital do Iêmen tentam construir laços com o Irã, Rússia e China, para contrabalançar o apoio que o ocidente e os sauditas dão ao presidente deposto.” (…) “O governo interino dos houthis enviou delegações ao Irã em busca de fornecimento de combustível, e à Rússia, à procura de projetos para investimentos em energia, segundo dois altos oficiais houthis. Outra delegação planeja visitar a China nas próximas semanas, dizem os mesmos oficiais” – dizia também o Wall Street Journal na mesma matéria de 6 de março.
Resultado do movimento dos houthis para fora, em busca de apoios, Irã e Iêmen anunciaram que dia 2 de março haverá voos entre Teerã e Sana. É importante linha de suprimentos, vital para o movimento houthi.
A narrativa sectária
e a carta do sectarismo
A instabilidade no Iêmen não é causada pelo Irã nem pelos houthis, mas pela interferência dos EUA e dos sauditas no Iêmen – desde a invasão pela Arábia Saudita em 2009, até os atuais ataques pelosdrones norte-americanos – e décadas de apoios saudita garantiu longa vida, no Iêmen, a um governo autoritário e impopular.
O Iêmen absolutamente não é país inerentemente dividido. À parte a Al-Qaeda, que sauditas e EUA alimentam e mantêm viva, não há real divisão nem tensões graves entre xiitas e sunitas. Para impedir a independência do Iêmen, os EUA e os sauditas reforçaram todas as tendências a qualquer sectarismo, na esperança de ‘implantar’ no Iêmen uma oposição mortal entre xiitas e sunitas.
Diferente do que reza a falsa narrativa hoje dominante, as alianças do Irã com países do Oriente Médio não são alianças baseadas em divisões sectárias. Todos os aliados palestinos de Teerã são predominantemente muçulmanos sunitas; e no Iraque e Síria, além dos respectivos governos, o Irã apoia e ajuda uma gama variadas de grupos religiosos e étnicos que também inclui não árabes e cristãos. Na Síria, por exemplo, incluem-se aí muçulmanos sírios predominantemente sunitas e curdos iraquianos, além da ala Sutoro Assíria do Syriac Union Party (SUP) na Síria. No Líbano, além do Hezbollah, os iranianos também são aliados de partidos sunitas, drusos e cristãos, dentre os quais o Movimento da Frente Patriótica de Michel Aoun – o maior partido cristão que há no Líbano.
Se há alguém realmente engajados em sectarismos como política, são os EUA e seus aliados nos petro-emirados árabes. Ambos, EUA e Arábia Saudita já lutaram antes contra os houthis e os usaram contra a Fraternidade Muçulmana no Iêmen. Além disso, durante a Guerra Fria, ambas, a Casa Branca e a Casa de Saud tentaram usar os xiitas iemenitas contra os republicanos no Iêmen do Norte e na República Popular Democrática do Iêmen no sul. Foi quando o movimento houthi deixou muito claro que não seria vassalo nem de Washington nem de Riad, que EUA e a Arábia Saudita tornaram-se extremamente hostis.
Preparação para invadir o Iêmen
Dia 20 de março, suicidas-bombas atacaram as mesquitas de Al-Badr e Al-Hashoosh durante asr salat(“as preces da tarde”). Morreram mais de 300 pessoas. Abdul Malik al-Houthi acusou EUA e Israel de apoiarem os ataques terroristas, além de apoiarem também o ISIL/ISIS/Daesh/Estado Islâmico e a Al-Qaeda no Iêmen. A Arábia Saudita também foi responsabilizada.
Enquanto persiste o silêncio no Marrocos, na Jordânia e nos petro-emirados, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Irã, Marziyeh Afkham, condenou os ataques terroristas no Iêmen. De um modo ou de outro, Síria, Iraque, Rússia e China todos condenaram também os ataques terroristas no Iêmen. Para fazer prova do apoio de Teerã ao Iêmen, dois aviões cargueiros do Irã carregados com itens de ajuda humanitária foram enviados ao Iêmen, e a Sociedade do Crescente Vermelho transportou para hospitais iranianos mais de 50 iemenitas vítimas dos ataques terroristas, para serem tratados.
A Casa de Saud fracassou no Iêmen
O movimento dos houthis é resultado das políticas da Arábia Saudita no Iêmen e do apoio dos sauditas ao governo autoritário. Nesse sentido, os houthis são uma reação à brutalidade dos sauditas e ao apoio que a Casa de Saud garantiu sempre ao autoritarismo iemenita. Os houthis emergiram como parte de uma rebelião liderada por Hussein Badreddin Al-houthi em 2004, contra o governo iemenita.
No projeto de demonizar o movimento dos houthis, os regimes saudita e iemenita têm insistido em divulgar a ideia falsa de que os houthis aspirariam a impor um imamato zaidista na Arábia. Mas nada disso impediu que o movimento se fortalecesse. Em 2009, o exército do Iêmen ditatorial não conseguiu dar conta deles, o que levou à intervenção saudita chamada “Operação Terra Chamuscada” [orig.Operation Scorched Earth] lançada dia 11 de agosto de 2009.
A Arábia Saudita fracassou quando enviou seus militares para o Iêmen para lutar contra os houthis em 2009 e 2010. Fracassou na tentativa de obrigar o Iêmen e o movimento dos houthi a ajoelhar-se e obedecer. Quando os sauditas exigiram que os houthis e o governo iemenita de transição dançassem conforme a música saudita e viajassem a Riad para negociações, o ‘convite’ foi totalmente rechaçado pelos houthis e pelos Comitês Revolucionários do Iêmen, porque as tais negociações e qualquer esquema de partilha do poder que os sauditas apoiassem sempre poriam de lado os houthis e outras forças políticas iemenitas. Essa é a razão pela qual a posição dos houthis contra a Arábia Saudita recebeu o apoio da União das Forças Populares, do Congresso Geral do Povo do próprio Hadi e do Partido Baath do Iêmen.
Dividir o Iêmen?
O Iêmen conheceu numerosas insurreições, intervenções militares por exércitos dos EUA e da Arábia Saudita, e cresce, nos governoratos do sul um movimento separatista. O exército iemenita está fragmentado e há tensões tribais. Ouve-se falar cada vez com mais frequência de o país acabar transformado em mais um estado árabe falhado.
Em 2013, o jornal New York Times propôs que Líbia, Síria, Iraque e Iêmen fossem divididos. No caso do Iêmen, a ‘proposta’ era dividir o país novamente em dois. Para o New York Times aconteceria, ou poderia acontecer depois de um possível referendo nos governoratos do sul do país. O New York Timestambém propôs que “todo o Iêmen Sul, ou parte dele, poderia então ser incorporado à Arábia Saudita. Praticamente todo o comércio saudita faz-se por mar, e garantir acesso direto ao Mar da Arábia diminuiria a dependência do Golfo Persa – e medos da capacidade do Irã para fechar o Estreito de Ormuz”.
Agora, a Arábia Saudita e Al-Hadi cortejam desavergonhadamente os separatistas no sul do Iêmen, que têm apoio de, no máximo, 1/10 da população. A próxima opção para EUA e Arábia Saudita pode ser dividir o Iêmen, como meio para mitigar o duro golpe e a mudança estratégica que advirão de uma vitória dos houthis. Com o Iêmen dividido, a Arábia Saudita e os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) teriam ponto de trânsito no sul para o Oceano Índico, e os EUA preservariam o pé que ainda têm no Golfo de Aden.
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