Derrubar Golias
A Revolução Cubana é uma história inacreditável que deixou de ser impossível.
Quem podia acreditar que 82 guerrilheiros inexperientes poderiam começar uma revolução? Quem podia acreditar que essa revolução venceria um exército apoiado pelos EUA? E quem podia acreditar que seria possível construir o socialismo a 140 quilómetros do coração do imperialismo, mesmo depois do desaparecimento da URSS e enfrentando o rancor da maior potência económica do planeta? Mas sobretudo, quem podia crer que nesta pequena ilha se instauraria uma das sociedades mais avançadas do mundo, onde o culto da dignidade humana é a primeira lei? Há 55 anos que Cuba demonstra ao mundo que mesmo nas condições mais difíceis é possível fazer muito com muito pouco e transformar em verdade o inverosímil: Cuba é a inverosimilhança mais bonita da História Americana.
No ano 2001, Fidel prometeu que os cinco patriotas cubanos presos nos EUA voltariam a casa. «Inverosímil», respondia o editorial do New York Times há precisamente 13 anos. Voltaram! Depois de quase vinte anos encarcerados por terem exposto os planos de grupos terroristas sediados em Miami, os últimos três heróis cubanos foram libertados, abrindo passo ao prospecto de normalização das relações entre os EUA e Cuba. Em discursos simultâneos no passado dia 17, Obama reconheceu a vergonhosa derrota da estratégia da asfixia contra Cuba e o presidente Raúl Castro anunciou, a par da libertação de dois agentes estado-unidenses, o restabelecimento das relações diplomáticas. Entre as primeiras medidas conhecidas, que desimpedem alguns obstáculos ao turismo, ao comércio e à cooperação, fica patente o afrouxamento do criminoso bloqueio que já custou à ilha mais de 1,1 trilhões de dólares.
O «terrorismo» que Cuba promove
Neste momento de justificada alegria, devemos questionar a razão de tanto ódio. Por que razão estava Cuba, até há poucos dias, na risível lista de «países promotores do terrorismo»? Nem mesmo o Partido Republicano acusa Cuba de promover o «terrorismo», mas alguma coisa em Cuba os aterroriza: o seu exemplo. A 90 milhas dos EUA, onde um curso superior custa em média 80.000 dólares, Cuba mostra que a educação pode ser gratuita e de qualidade; num momento em que nos EUA explode a revolta contra o racismo, preconceito e a brutalidade policial, Cuba, onde os polícias andam desarmados, é a prova viva de que o racismo pertence ao passado. Cuba aterroriza aos 'coxinhas' que enchem a boca de «impossíveis» e «inverosímeis» porque mostra que é possível um sistema de saúde gratuito, universal e de alta qualidade, uma taxa de desemprego abaixo dos 2% e uma taxa de analfabetismo de 0,2%.
O que aterroriza o imperialismo é isso: saber que se a América Latina tivesse a taxa de mortalidade infantil de Cuba, seriam salvas anualmente 800.000 crianças; que das 30.000 crianças que morrem diariamente vítimas de sarampo, malária, difteria e desnutrição, nenhuma é cubana; que das 200 milhões de crianças que todas as noites dormem nas ruas, nenhuma é cubana. Cuba aterroriza a classe merdia e apavora os senhores do dinheiro porque não exporta bombas como o amado e idolatrado EUA, exporta mais médicos ao Brasil e a outros lugares. Porque é um farol de claridade num oceano poluído de injustiça e obscurantismo, um enclave de liberdade cercado pela tirania do lucro que despreza a vida.
Cuba vencerá!
A virada estratégica estado-unidense não é, portanto, inocente. Por um lado, a Casa Branca pretende preparar terreno para a crucial Cupula das Américas em 2015 e romper o crescente isolamento internacional gerado pela política de agressão contra Cuba. Ilustrativamente, em Outubro passado, dos 193 estados-membro da ONU, 188 votaram a favor do fim do bloqueio e apenas dois defenderam da sua manutenção: os EUA e seu cachorro, Israel. Também neste sentido, Obama joga habilmente com o calendário, aproveitando a tendência de moderação dos eleitores cubanos na Florida e o final do seu próprio mandato, procura resolver (e remover) os assuntos espinhosos no caminho de Hillary Clinton, a mais que provável candidata democrata às próximas presidenciais. Por outro lado, como o próprio Obama admitiu, o problema da estratégia de bloqueio não é ser injusta, é não funcionar.
Na nova relação dos EUA com Cuba caberá um espectro de agressões completamente novo: Obama julga poder destruir o socialismo inundando a ilha de ONG mais obedientes que drones, investindo milhões no desenvolvimento da incipiente burguesia cubana, amarrando a ilha caribenha à dependência económica e financeira do dólar e quebrando a estrutura moral da cultura cubana com o consumismo histérico e o individualismo patológico que grassam a Norte.
Golias não desistiu, apenas compreendeu que precisa de mais do que força bruta. O imperialismo nunca perdoará a rebeldia de Cuba nem fará as pazes com o seu exemplo. Mas esta batalha está ganha: o socialismo resistiu, o bloqueio falhou, os cinco voltaram a casa e o mundo inteiro amanheceu mais livre.
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