«Derrotar o AKP é justo e mobilizador»
Os protestos que eclodiram nos últimos dias na Turquia resultam da confluência de descontentamentos com diversas origens, mas expressam um denominador comum: a rejeição popular do projeto reacionário que o governo procura impor no país, disse o membro da Associação de Paz da Turquia e do CC do Partido Comunista da Turquia (TKP).
As movimentações de massas na Turquia surgem depois da realização de manifestações contra o envolvimento turco no conflito sírio. É essa ingerência o seu principal factor desencadeador?
A recusa da via intervencionista adoptada pelo governo, ao lado dos grupos armados e contra a Síria, foi um dos detonadores, sem dúvida, mas o alastramento da revolta surge na sequência de uma luta aparentemente menor e mais simples.
Na Praça Taksim, o coração de Istambul, há um parque público muito apreciado que o governo do AKP [Partido da Justiça e do Desenvolvimento] quer demolir, argumentando que vai reconstruir uma antiga caserna militar otomana. Isso é a fachada. Na realidade, onde hoje está o Parque Gezi, o AKP pretende construir mais um centro comercial.
A rejeição do empreendimento foi desencadeada há muito, mas a repressão violenta da defesa do Parque provocou a indignação e o alastramento dos protestos.
A maioria dos turcos, e mesmo muitos dos habitantes dos subúrbios de Istambul, nunca estiveram no Parque Gezi, mas consideram-no parte da identidade da cidade.
Então o que move milhões de pessoas em todo o território?
A destruição do Parque Gezi foi a gota de água que fez transbordar a paciência do povo. Foi a centelha da revolta dos trabalhadores, dos jovens, dos estudantes, de sectores e camadas intermédias que recusam o alinhamento do país numa guerra imperialista na região; que estão contra a proposta de nova constituição apresentada pelo AKP, o desemprego galopante que atinge jovens qualificados e não-qualificados; contra as orientações neoliberais impostas pelo primeiro-ministro Recep Erdogan e as suas consequências sociais; contra a violência policial cada vez mais frequente e o autoritarismo do governo que sempre se recusa a negociar.
A Síria é uma questão central. A 11 de Maio, o governo turco acusou a Síria de ser responsável pelas explosões em Reyhanli. Ninguém acreditou nisso. Ninguém acredita que a Frente al-Nusra, vinculada à al-Qaeda, produza armas em Adana, a quinta maior cidade turca, sem o conhecimento de Ancara.
A iniciativa que a Associação de Paz da Turquia e o Conselho Mundial da Paz promoveram em Antakya, no final de Abril, incluindo um acto público com milhares de pessoas, esclareceu e mobilizou contra a guerra. A esmagadora maioria dos populares da província de Hatay tiveram algum contacto com o movimento da paz. A isto acresce o facto de observarem a liberdade com que se movimentam os terroristas na fronteira e, sobretudo, constatarem que dois anos de guerra na Síria provocaram o colapso da economia na sua região.
Para mais, os atentados em Reyhyanli vitimaram cerca de uma centena de pessoas. O primeiro-ministro acusa um Estado vizinho da sua autoria e a primeira coisa que faz é deslocar-se aos EUA para reunir com Barack Obama e apelar a um intervenção na Síria? Tudo isto tornou muito claras as intenções do AKP e desacreditou o governo aos olhos do povo, que recusa que a Turquia seja o principal centro de provocação à Síria, que rejeita que a «oposição» se reúna no país e tenha bases.
Há então um denominador comum?
Sim, há, a islamização da sociedade num determinado sentido. Recentemente, o governo fez aprovar legislação que limita a comercialização e consumo de álcool. O que os turcos vêm nisto não é a defesa da saúde pública, mas o aprofundamento de uma orientação por parte do AKP. A maioria dos turcos são muçulmanos, mas convivem com a religião de uma forma diferenciada face a outras facções islâmicas. Defendem o Estado laico e os valores do secularismo.
O AKP não é somente um partido, mas um projeto. Podemos até dizer que terá servido de inspiração no desfecho das chamadas primaveras árabes para a instalação no poder de partidos afectos à Irmandade Muçulmana. O AKP foi a primeira experiência bem sucedida de um modelo de consolidação de um poder islâmico promotor de políticas neoliberais. O AKP acalenta a esperança de reconstruir o império otomano, ser a maior potência regional. Washington apoia um poder desse tipo. O AKP é apoiado pelo grande capital na Turquia.
Qual o rumo que os acontecimentos podem tomar?
As movimentações de massas cresceram de uma forma espontânea. O governo mostra-se incapaz de manipular essa dinâmica. Tem a maioria no parlamento, tem dinheiro e apoio das petro-monarquias árabes do Golfo, mas não vai conseguir controlar um povo inteiro que sempre se tem manifestado. A Turquia não é uma sociedade abafada, calada, amorfa. Milhões de pessoas estão nas ruas com reivindicações específicas. Demitir o governo é a tarefa imediata.
O TKP está desempenhando um papel fundamental no estímulo da luta. No último sábado e ontem, apoiou e chamou para uma manifestação na Praça Taksim. O Partido Popular Republicano, maior partido da oposição parlamentar, fundador da República Turca, social-democrata, foi obrigado a desconvocar o protesto, agendado para uma outra praça de Istambul e a mobilizar para Taksim.
É certo que os protestos carecem de uma direção política. Neste momento, nenhum partido pode reivindicar a condução de um processo onde sobressai a grande energia e disponibilidade das massas. É urgente garantir a unidade de ação e propósito, assegurar que a resistência prossegue. Se este movimento deixa as ruas para a polícia, o governo vai entender que forçou o regresso do povo a casa e avançar com mais limitações à liberdade, mais repressão, mais autoritarismo.
Derrotar o AKP e exigir eleições antecipadas é um objectivo justo e mobilizador que contribui para o recuo do seu projecto político.
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