![]() |
Filha do presidente de Cuba, a ativista pelos direitos gays falou sobre as polêmicas UMAPs
|
Mariela Castro Espín conseguiu se libertar da herança familiar.
Licenciada em Psicologia e Pedagogia, com mestrado em sexualidade, Mariela tornou sua a causa dos homossexuais, bissexuais, lésbicas e transexuais e possibilitou que essas comunidades saíssem da marginalidade na qual fora colocada pela sociedade, como diretora do Centro de Educação Sexual (Cenesex), cuja atuação tem sido coroada com êxitos.
Desde 2007, o dia contra a homofobia é celebrado em Cuba, em 17 de maio. O Estado se encarrega gratuitamente das operações de mudança de sexo. A homofobia diminuiu de forma sensível, apesar de persistir em alguns setores. Finalmente, importantes instituições, como o Partido Comunista de Cuba ou o Ministério da Cultura, são agora aliados de primeira ordem na luta pelos direitos de todos.


Opera Mundi: Qual era a situação das minorias sexuais em 1959, após o triunfo da Revolução em Cuba?
Mariela Castro Espín: No início dos anos 1960, a sociedade cubana era o reflexo de sua herança cultural, principalmente espanhola. Cuba tinha uma cultura “homoerótica”, patriarcal e, portanto, homofóbica. Naquela época, o mundo inteiro era patriarcal e homofóbico, tanto os países desenvolvidos como as nações do Terceiro Mundo. Em todas as culturas ocidentais baseadas na religião católica dominante essas características estavam estabelecidas nos códigos culturais da relação homem/mulher.
No entanto, é curioso que o processo da Revolução Cubana, em cujo programa político se reivindicava a luta contra desigualdades, racismo e diferentes formas de discriminação contra mulheres, além do fim de injustiças e brechas entre a cidade e o campo, não tenha se interessado pelos homossexuais e os considerado vítimas de discriminações de todos os tipos. A homofobia era a regra inclusive depois do triunfo da Revolução.
No entanto, é curioso que o processo da Revolução Cubana, em cujo programa político se reivindicava a luta contra desigualdades, racismo e diferentes formas de discriminação contra mulheres, além do fim de injustiças e brechas entre a cidade e o campo, não tenha se interessado pelos homossexuais e os considerado vítimas de discriminações de todos os tipos. A homofobia era a regra inclusive depois do triunfo da Revolução.
OM: Então ser homofóbico era algo “natural”?

A Revolução permitiu ao povo cubano conseguir a soberania nacional e colocou em xeque inúmeros paradigmas, como a virgindade da mulher como condição prévia ao casamento, a ausência do divórcio, o status do homem como chefe da família, a fidelidade natural da mulher frente à infidelidade do homem, a desqualificação da família monoparental e da mulher solteira, mas não se interessou pelo problema da diversidade sexual.
OM: Entre 1965 e 1968, o Estado Cubano elaborou as Unidades Militares de Ajuda à Produção, as Umap, às quais os homossexuais foram integrados à força. Você poderia falar sobre esse obscuro episódio?
MCE: Primeiro, convém precisar que as Umap afetavam todos os homens em idade de entrar no serviço militar, não só os homossexuais. Alguns, inclusive, falaram de campos de concentração para homossexuais. Não creio que seja necessário exagerar, é preciso ser fiel à verdade histórica. As Umap afetaram a todo, menos aos que podia justificar [a não integração] com um emprego estável. Os estudantes tinham que colocar entre parênteses a carreira universitária para fazer o serviço militar.
É interessante também lembrar o contexto da época. Nosso país se encontrava constantemente sob a agressão dos Estados Unidos: a Baía dos Porcos em abril de 1961, a Crise dos Mísseis em 1962, e os grupos da CIA compostos por exilados cubanos, que multiplicavam os atentados terroristas. As bombas explodiam todos os dias em Cuba, queimavam canaviais, sabotavam as ferrovias, atacavam teatros com bazuca. Não se pode esquecer essa realidade, vivíamos em estado de sítio. Grupos paramilitares agiam nas montanhas do Escambray e assassinavam trabalhadores rurais favoráveis à Revolução, torturavam e executavam jovens professores que tinham se integrado à campanha de alfabetização. No total, 3.478 cubanos perderam a vida por conta do terrorismo naquela época. Foi um período muito difícil, nós nos encontrávamos permanentemente agredidos e a luta de classes estava em seu auge. Os latifundiários tinham reagido com muita violência à reforma agrária e não estavam dispostos a perder sua posição de poder na sociedade. Então havia uma mobilização geral para a defesa da nação, e neste contexto nasceram as Umap.
É interessante também lembrar o contexto da época. Nosso país se encontrava constantemente sob a agressão dos Estados Unidos: a Baía dos Porcos em abril de 1961, a Crise dos Mísseis em 1962, e os grupos da CIA compostos por exilados cubanos, que multiplicavam os atentados terroristas. As bombas explodiam todos os dias em Cuba, queimavam canaviais, sabotavam as ferrovias, atacavam teatros com bazuca. Não se pode esquecer essa realidade, vivíamos em estado de sítio. Grupos paramilitares agiam nas montanhas do Escambray e assassinavam trabalhadores rurais favoráveis à Revolução, torturavam e executavam jovens professores que tinham se integrado à campanha de alfabetização. No total, 3.478 cubanos perderam a vida por conta do terrorismo naquela época. Foi um período muito difícil, nós nos encontrávamos permanentemente agredidos e a luta de classes estava em seu auge. Os latifundiários tinham reagido com muita violência à reforma agrária e não estavam dispostos a perder sua posição de poder na sociedade. Então havia uma mobilização geral para a defesa da nação, e neste contexto nasceram as Umap.
OM: Então porque as Umap foram associadas ao reino do arbitrário e da discriminação?

OM: Esse método de integração era muito arbitrário.
MCE: Convém recordar que o procedimento era arbitrário e discriminatório. Houve vozes na sociedade cubana que se opuseram a essas medidas, entre elas a Federação de Mulheres Cubanas, assim como muitas personalidades. As denúncias que algumas mães fizeram desataram esse movimento contra as Umap.
MCE: Convém recordar que o procedimento era arbitrário e discriminatório. Houve vozes na sociedade cubana que se opuseram a essas medidas, entre elas a Federação de Mulheres Cubanas, assim como muitas personalidades. As denúncias que algumas mães fizeram desataram esse movimento contra as Umap.
OM: E os homossexuais? Foram vítimas de muitos abusos nas Umap?
MCE: Em uma sociedade homofóbica, nesse contexto de hegemonia masculina e viril, as autoridades consideraram que os homossexuais sem profissão tinham que ser integrados às Umap para serem verdadeiros “homens”. Em algumas delas, essas pessoas foram tratadas como todos os demais e não foram vítimas de discriminação. Em outras, onde reinava a arbitrariedade, eles foram separados injustamente dos demais jovens. Havia então o grupo dos homossexuais e dos travestis, o grupo dos religiosos e dos crentes, o grupo dos hippies, etc. Foi reservado a eles um tratamento especial com chacotas cotidianas e humilhações públicas. Em uma palavra, as discriminações que existiam na sociedade cubana se tornaram mais vivas e mais cruéis nas Umap.Não resta a menor dúvida de que o processo de criação e de funcionamento das Umap foi arbitrário. Por isso, essas unidades foram fechadas definitivamente três anos depois. Mas, repito, a situação dos homossexuais no resto do mundo era similar, às vezes pior. Isso, evidentemente, não justifica em nada as discriminações das quais os homossexuais foram vítimas em Cuba.
MCE: Em uma sociedade homofóbica, nesse contexto de hegemonia masculina e viril, as autoridades consideraram que os homossexuais sem profissão tinham que ser integrados às Umap para serem verdadeiros “homens”. Em algumas delas, essas pessoas foram tratadas como todos os demais e não foram vítimas de discriminação. Em outras, onde reinava a arbitrariedade, eles foram separados injustamente dos demais jovens. Havia então o grupo dos homossexuais e dos travestis, o grupo dos religiosos e dos crentes, o grupo dos hippies, etc. Foi reservado a eles um tratamento especial com chacotas cotidianas e humilhações públicas. Em uma palavra, as discriminações que existiam na sociedade cubana se tornaram mais vivas e mais cruéis nas Umap.Não resta a menor dúvida de que o processo de criação e de funcionamento das Umap foi arbitrário. Por isso, essas unidades foram fechadas definitivamente três anos depois. Mas, repito, a situação dos homossexuais no resto do mundo era similar, às vezes pior. Isso, evidentemente, não justifica em nada as discriminações das quais os homossexuais foram vítimas em Cuba.
OM: Qual era a situação das minorias sexuais no resto do mundo?
MCE: Há um estudo extremamente interessante de um pesquisador norte-americano chamado David Carter sobre os movimentos LGBT na América Latina e no resto do mundo. Por exemplo, no nosso continente, as ditaduras militares perseguiam impiedosamente os homossexuais. Essa realidade, no entanto, não deve nos impedir de analisar criticamente o que ocorreu em Cuba.

OM: Qual foi a responsabilidade de Fidel na criação das Umap?
MCE: Fidel Castro é como o Quixote. Sempre assumiu suas responsabilidades como líder do processo revolucionário. Em razão de seu cargo, considera que deve assumir a responsabilidade de tudo o que ocorreu em Cuba, tanto os aspectos positivos como os negativos. É uma posição muito honesta de sua parte, ainda que me pareça não ser justo, pois não deve assumir sozinho todos esses excessos, o que não aproxima da verdade histórica. Era uma época na qual emergia uma nova sociedade com a criação de novas instituições, em meio a agressões, traições, ameaças contra sua vida. Fidel foi vítima de mais de 600 tentativas de assassinato. Não podia cuidar de tudo e, portanto, delegava muitas tarefas.
MCE: Fidel Castro é como o Quixote. Sempre assumiu suas responsabilidades como líder do processo revolucionário. Em razão de seu cargo, considera que deve assumir a responsabilidade de tudo o que ocorreu em Cuba, tanto os aspectos positivos como os negativos. É uma posição muito honesta de sua parte, ainda que me pareça não ser justo, pois não deve assumir sozinho todos esses excessos, o que não aproxima da verdade histórica. Era uma época na qual emergia uma nova sociedade com a criação de novas instituições, em meio a agressões, traições, ameaças contra sua vida. Fidel foi vítima de mais de 600 tentativas de assassinato. Não podia cuidar de tudo e, portanto, delegava muitas tarefas.
OM: Concretamente, qual é o vínculo entre Fidel e as Umap?
MCE: Fidel Castro não desempenhou um papel nesta criação. Na realidade, o único vínculo dele com as Umap foi quando decidiu fechá-las, após numerosos protestos da sociedade civil, e a investigação levada a cabo a pela política das Forças Armadas, que concluiu que muitos abusos foram cometidos. A partir dessa data, decidiu-se não incluir os homossexuais no serviço militar para evitar discriminações em uma força marcada pela homofobia, não apenas em Cuba, mas no resto do mundo. Também se poderá argumentar que se tratava de uma nova discriminação em relação a eles, mas sua incorporação às forças armadas foi tão nefasta por conta dos preconceitos, que resultou nessa decisão.

OM: Qual era o ponto de vista do seu pai?
MCE: Falei muitas vezes sobre esse tema com meu pai e ele me explicou que era extremamente difícil eliminar os preconceitos sem uma política de educação. Por outro lado, o universo militar continua sendo muito machista em Cuba. Lamentavelmente, é notório que, em nossas sociedades, rechaçamos tudo o que se mostra diferente. Imagine então no contexto dos anos 1960. A esse respeito, o Cenesex lançou um programa de pesquisa sobre as Umap e estamos recolhendo os testemunhos das pessoas que sofreram com essa política.
MCE: Falei muitas vezes sobre esse tema com meu pai e ele me explicou que era extremamente difícil eliminar os preconceitos sem uma política de educação. Por outro lado, o universo militar continua sendo muito machista em Cuba. Lamentavelmente, é notório que, em nossas sociedades, rechaçamos tudo o que se mostra diferente. Imagine então no contexto dos anos 1960. A esse respeito, o Cenesex lançou um programa de pesquisa sobre as Umap e estamos recolhendo os testemunhos das pessoas que sofreram com essa política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário