SEM MEDO DE SER FELIZ
Quando a política fica restrita ao aparelho do Estado se perde a noção mesma da política que é a polis, a cidade organizada, a sociedade. Em vez de pensar que a política é uma ação coletiva no interior da própria sociedade, sob a forma de poderes e contra poderes, se pensa a política como uma esfera separada
Marilena Chauí é filósofa e professora da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH)
Terceira Carta às Esquerdas
Publicado em 15/12/2011 por Boaventura de Sousa Santos
Fonte Agência carta Maior - 14/12/2011
As novas mobilizações e militâncias políticas por causas historicamente pertencentes às esquerdas estão sendo feitas sem qualquer referência a elas (salvo talvez à tradição anarquista) e muitas vezes em oposição a elas. Isto não pode deixar de suscitar uma profunda reflexão. Essa reflexão está sendo feita? Tenho razões para crer que não
Quando estão no poder, as esquerdas não têm tempo para refletir sobre as transformações que ocorrem nas sociedades e quando o fazem é sempre por reação a qualquer acontecimento que perturbe o exercício do poder. A resposta é sempre defensiva. Quando não estão no poder, dividem-se internamente para definir quem vai ser o líder nas próximas eleições, e as reflexões e análises ficam vinculadas a esse objetivo.
Esta indisponibilidade para reflexão, se foi sempre perniciosa, é agora suicida. Por duas razões. A direita tem à sua disposição todos os intelectuais orgânicos do capital financeiro, das associações empresariais, das instituições multilaterais, dos think tanks, dos lobbistas, os quais lhe fornecem diariamente dados e interpretações que não são sempre faltos de rigor e sempre interpretam a realidade de modo a levar a água ao seu moinho. Pelo contrário, as esquerdas estão desprovidas de instrumentos de reflexão abertos aos não militantes e, internamente, a reflexão segue a linha estéril das facções.
Circula hoje no mundo uma imensidão de informações e análises que poderiam ter uma importância decisiva para repensar e refundar as esquerdas depois do duplo colapso da social-democracia e do socialismo real. O desequílibrio entre as esquerdas e a direita no que respeita ao conhecimento estratégico do mundo é hoje maior que nunca.
A segunda razão é que as novas mobilizações e militâncias políticas por causas historicamente pertencentes às esquerdas estão sendo feitas sem qualquer referência a elas (salvo talvez à tradição anarquista) e muitas vezes em oposição a elas. Isto não pode deixar de suscitar uma profunda reflexão. Essa reflexão está sendo feita? Tenho razões para crer que não e a prova está nas tentativas de cooptar, ensinar, minimizar, ignorar a nova militância.
Proponho algumas linhas de reflexão. A primeira diz respeito à polarização social que está a emergir das enormes desigualdades sociais. Vivemos um tempo que tem algumas semelhanças com o das revoluções democráticas que avassalaram a Europa em 1848. A polarização social era enorme porque o operariado (então uma classe jovem) dependia do trabalho para sobreviver mas (ao contrário dos pais e avós) o trabalho não dependia dele, dependia de quem o dava ou retirava a seu belprazer, o patrão; se trabalhasse, os salários eram tão baixos e a jornada tão longa que a saúde perigava e a família vivia sempre à beira da fome; se fosse despedido, não tinha qualquer suporte exceto o de alguma economia solidária ou do recurso ao crime. Não admira que, nessas revoluções, as duas bandeiras de luta tenham sido o direito ao trabalho e o direito a uma jornada de trabalho mais curta. 150 anos depois, a situação não é totalmente a mesma mas as bandeiras continuam a ser atuais.
E talvez o sejam hoje mais do que o eram há 30 anos. As revoluções foram sangrentas e falharam, mas os próprios governos conservadores que se seguiram tiveram de fazer concessões para que a questão social não descambasse em catástrofe. A que distância estamos nós da catástrofe? Por enquanto, a mobilização contra a escandalosa desigualdade social (semelhante à de 1848) é pacífica e tem um forte pendor moralista denunciador.
Não mete medo ao sistema financeiro-democrático. Quem pode garantir que assim continue? A direita está preparada para a resposta repressiva a qualquer alteração que se torne ameaçadora. Quais são os planos das esquerdas? Vão voltar a dividir-se como no passado, umas tomando a posição da repressão e outras, a da luta contra a repressão?
A segunda linha de reflexão tem igualmente muito a ver com as revoluções de 1848 e consiste em como voltar a conectar a democracia com as aspirações e as decisões dos cidadãos. Das palavras de ordem de 1848, sobressaíam liberalismo e democracia. Liberalismo significava governo republicano, separação ente estado e religião, liberdade de imprensa; democracia significava sufrágio “universal” para os homens. Neste domínio, muito se avançou nos últimos 150 anos. No entanto, as conquistas têm vindo a ser postas em causa nos últimos 30 anos e nos últimos tempos a democracia mais parece uma casa fechada ocupada por um grupo de extraterrestres que decide democraticamente pelos seus interesses e ditatorialmente pelos interesses das grandes maiorias. Um regime misto, uma democradura.
O movimento dos indignados e do occupy recusam a expropriação da democracia e optam por tomar decisões por consenso nas sua assembleias. São loucos ou são um sinal das exigências que vêm aí? As esquerdas já terão pensado que se não se sentirem confortáveis com formas de democracia de alta intensidade (no interior dos partidos e na república) esse será o sinal de que devem retirar-se ou refundar-se?
Boaventura de Sousa Santos
Sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Por Rosa Luxemburgo - 1899
Em 1896-1898, o eminente teórico socialista Eduard Bernstein, amigo de Engels e executor testamentário de Marx, publica uma série de artigos na revista teórica da social-democracia alemã, Die Neue Zeit [O novo tempo] e em seguida no livro "As premissas do socialismo e as tarefas da social-democracia" (1899), em que se propõe a revisar alguns pontos da teoria marxista que julga ultrapassados.
A partir de uma série de dados empíricos conjunturais, Bernstein defende a tese de que o capitalismo vinha desenvolvendo mecanismosde adaptação que impediriam crises no futuro, tornando sua evolução contínua e pacífica. Nessamedida, o Partido Social-Democrata Alemão deveria deixar de lado a retórica revolucionária e investir todas as energias na luta parlamentar por reformas, pois isso fortaleceria o proletariado e o faria chegar ao poder por meios eleitorais e, portanto, pacíficos. Era necessáriorever a teoria de Marx (daí o nome de revisionismo dado às suas ideias), cujo pecado central consistia no apego à dialética hegeliana, que o tinha levado a uma série de prognósticos equivocados:
Fim das pequenas empresas, Proletarização da classe média e dos camponeses, Agravamento das crises e etc.
Ele concluía que a propaganda socialista não devia enfatizar o fim socialista do futuro, mas as pequenas conquistas cotidianasque melhoravam as condições de vida da classeoperária.
Rosa Luxemburgo responde a Bernstein numa sériede artigos no jornal Leipziger Volkszeitung (21 a 28/9/1898; 4 a 8/4/1899), que serão reunidos numa brochura intitulada Reforma social ou revolução?, publicada em Leipzig, em abril de 1899. Num tom fortemente polêmico, defende a ideia de que reforma e revolução não se opõem, mas que a luta por reformas é a maneira de educar politicamente o proletariado, de levá-lo a adquirir consciência de classe. No entanto, as reformas não alteram o caráter básico do capitalismo, nem resolvem suascontradições. Crises e guerras eram o resultado dessas contradições, e com elas o proletariado perdia novamente direitos que já havia conquistado.
Hoje é mais fácil do que nunca constatar que Rosa teve razão contra Bernstein: o capitalismo não foi capaz de se estabilizar, como provam ascrises de 1929, de 2008, as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, as guerras locais ao redordo mundo, só para mencionar uma pequena lista.
Contudo, sua previsão quanto à inelutabilidade da Revolução Socialista – em várias passagens deste e de outros escritos, exposta num tom dogmático, bastante característico da época de certezas anterior à Primeira Guerra Mundial, como resultado do colapso do capitalismo, tampouco se verificou.
Esta brochura foi um marco na carreira de Rosa Luxemburgo. Ela alcançou um sucesso extraordinário na social-democracia alemã e internacional, fazendo com que a jovem polonesa de 28 anos passasse a ser admirada por seu talento polêmico e respeitada pelo conhecimento que demonstrava dateoria marxista.
Prefácio
À primeira vista o título desta obra pode surpreender. Reforma social ou revolução? Pode então a social-democracia ser contra as reformas sociais? Ou pode ela opor a revolução social, a transformação da ordem existente, que constitui a sua finalidade, às reformas sociais? Certamente que não. A luta cotidiana prática por reformas sociais, pela melhoria da situação do povo trabalhador no próprio quadro do regime existente, pelas instituições democráticas, constitui, mesmo para a social-democracia, o único meio de travar a luta de classe proletária e de trabalhar no sentido de atingir o objetivo final: a conquista do poder político e a abolição do sistema de assalariamento. Para a social-democracia existe uma conexão indissolúvel entre as reformas sociais e a revolução: a luta pelas reformas sociais constitui o meio, mas a revolução social constitui o fim.
É na teoria de Eduard Bernstein, tal como ele a expôs em seus artigos sobre os “Problemas do socialismo”, publicados na Neue Zeit em 1896-1897, e principalmente no seu livro intitulado "As premissas do socialismo e as tarefas da social-democracia" que encontramos pela primeira vez essa oposição dos dois fatores do movimento operário. Praticamente toda essa teoria só tende a aconselhar a renúncia à transformação social, objetivo final da social-democracia, e a fazer, ao contrário, da reforma social – simples meio na luta de classes – o seu fim. É o próprio Bernstein quem formula de modo mais claro e mais característico o seu ponto de vista, quando escreve: “Para mim, o objetivo final, qualquer que seja ele, não é nada; o movimento é tudo”.
Mas, como o objetivo final do socialismo é o único fator decisivo que distingue o movimento social-democrata da democracia burguesa e do radicalismo burguês, o único fator que transforma todo o movimento operário, de um inútil trabalho de remendão para salvar a ordem capitalista, numa luta de classe contra essa ordem, pela sua abolição, a questão “reforma ou revolução?”, tal como a põe Bernstein, equivale para a social-democracia à questão “ser ou não ser”. Na controvérsia com Bernstein e seus partidários, todos no partido devem compreender claramente que não se trata deste ou daquele método de luta, do emprego desta ou daquela tática, mas da própria existência do movimento socialista.
Não se poderia insultar mais grosseiramente, desprezar mais completamente a classe trabalhadora do que afirmar que as discussões teóricas são somente coisa de “acadêmicos”. Lassalle disse uma vez: só quando a ciência e o trabalhador, esses dois polos opostos da sociedade, se unirem, é que eles afastarão, com seus braços poderosos, todos os obstáculos no caminho da civilização.
Todo o poder do movimento operário moderno repousa sobre o conhecimento teórico.
Mas, no caso em questão, é duplamente importante para os operários o conhecimento desse fato, porque é precisamente deles e de sua influência no movimento operário que se trata aqui, porque é sua própria pele que é levada ao mercado. A corrente oportunista, cuja teoria foi formulada por Bernstein, nada mais é que uma tentativa inconsciente de garantir no partido o predomínio dos
elementos pequeno-burgueses que a ele aderiram, e de remodelar a política e os fins do partido de acordo com a sua concepção.
(Este parágrafo não consta da segunda edição, de 1908, revista por Rosa Luxemburgo, base da presente tradução).
Vista de outra perspectiva, a questão da reforma social e da revolução, do objetivo final e do movimento, é a questão do caráter pequeno-burguês ou proletário do movimento operário.
Berlim, 18 de abril de 1899
Rosa Luxemburgo
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Rosa Luxemburgo - 5 de março de 1871, Zamosc, Polônia. Jornalista, teórica marxista e líder revolucionária. Quinta filha de uma família judia emancipada e culta.
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Rosa Luxemburgo - 5 de março de 1871, Zamosc, Polônia. Jornalista, teórica marxista e líder revolucionária. Quinta filha de uma família judia emancipada e culta.
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