Golpe de Estado
em marcha no Brasil
Perigoso passo antidemocrático
O jornal "AVANTE" de Portugal publicou que a Câmara dos Deputados admitiu, domingo, o processo de destituição da presidente brasileira. O PCP considera que as forças reaccionárias subiram mais um degrau na ofensiva golpista (ver caixa).
Dos 513 deputados da câmara baixa do Congresso do Brasil, 367 pronunciaram-se a favor do relatório aprovado na comissão parlamentar que avaliou o pedido de destituição de Dilma Rousseff por alegados delitos de responsabilidade. 137 eleitos rejeitaram o texto.Na mais longa e provavelmente mais peculiar das sessões do parlamento do Brasil, o documento, lido antes do início da votação (ocorrida entre a tarde domingo e a madrugada de segunda-feira em Portugal), bem como as supostas ilegalidades cometidas pela presidente, estiveram longe do centro das atenções.
Que a sessão seria tumultuosa, não era novidade. Com uma maioria dos deputados, aos golpistas interessava reforçar a projecção de um país ingovernável e fazer dessa a percepção colectiva da realidade. Porém, o que aconteceu excedeu todas as expectativas.
Jogo sujo
Às primeiras horas do dia, o Supremo Tribunal Federal rejeitou três providências cautelares cujo objectivo era impedir a votação. Posteriormente, no hemiciclo, o presidente da mesa, Eduardo Cunha, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), começou por alterar os trâmites da votação, obrigando os deputados a anunciarem o seu posicionamento imediatamente após se pronunciarem perante a câmara. Em seguida, permitiu que os deputados golpistas se dispusessem em torno da mesa da presidência e do púlpito donde falariam os deputados.
Jogo sujo
Às primeiras horas do dia, o Supremo Tribunal Federal rejeitou três providências cautelares cujo objectivo era impedir a votação. Posteriormente, no hemiciclo, o presidente da mesa, Eduardo Cunha, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), começou por alterar os trâmites da votação, obrigando os deputados a anunciarem o seu posicionamento imediatamente após se pronunciarem perante a câmara. Em seguida, permitiu que os deputados golpistas se dispusessem em torno da mesa da presidência e do púlpito donde falariam os deputados.
Os antigolpistas protestaram. Dois, do Partido dos Trabalhadores e do Partido Comunista do Brasil, sentaram-se frente à direcção dos trabalhos, acabando por ser removidos pelos seguranças do plenário. Outros, ergueram atrás da turba que rodeava Eduardo Cunha na mesa do plenário uma faixa dizendo «Fora Cunha». O presidente do parlamento está indiciado por corrupção e evasão fiscal. Especula-se que, como outros parlamentares do PMDB, do Partido da Social Democracia Brasileira e de formações políticas que àqueles se uniram para tentar derrubar a presidente eleita por 54 milhões de pessoas, tenha garantida a impunidade caso se concretize o afastamento de Dilma Rousseff.
Por esta altura, a Câmara dos Deputados já não funcionava com o mínimo de regularidade. Traduzia aquilo que os brasileiros classificam como uma baderna [desordem, confusão]. Eduardo Cunha apelou a que se observasse a dignidade. A declaração dirigiu-se somente aos eleitos contra-golpistas. Aos partidários do derrube de Dilma Rousseff, Eduardo Cunha permitiu que mantivessem a ocupação da mesa e tribuna. Como uma matilha, com cartazes e sem respeito pelo uso da palavra.
Eduardo Cunha foi o espelho da hipocrisia. Tal como o vice-presidente, Michel Temer, cujas imagens a assistir à votação pela televisão, com um cínico sorriso, só estão ao nível da conversa telefónica, divulgada a semana passada, em que antecipava com grande certeza a vitória dos golpistas no parlamento.
Michel Temer pertence ao PMDB. O partido abandonou a coligação governamental, mas Temer, sobre quem pendem investigações no âmbito da Operação Lava Jato, permaneceu no segundo cargo da hierarquia de poder. Caso o Senado aprove (41 votos favoráveis entre 81 senadores) o processo de impeachement, Temer será Presidente do Brasil pelo menos durante o período de suspensão (180 dias) de Dilma Rousseff e enquanto a Câmara de Deputados não volta a decidir, dessa feita em definitivo, a manutenção ou o afastamento da presidente . A votação na câmara alta do Congresso brasileiro não tem ainda data marcada, afirmou entretanto o presidente do órgão, Ranan Calheiros, igualmente do PMDB e igualmente investigado no âmbito da Lava Jato.
Mais do que invulgar
Se foi invulgar a admissão de uma espécie de guarda pretoriana golpista nos pontos-chave do parlamento, e pode ser considerado inédito o facto de o relator do documento a sufrágio ter citado na sua apresentação o maior propagandista do espiritismo no Brasil, as declarações de voto favoráveis ao afastamento de Dilma Rousseff não foram menos peculiares.
Houve intervenções abertamente provocatórias e desrespeitadoras e cartazes com «tchau querida» [parodiando uma expressão usada por Lula da Silva em conversa telefónica com Dilma Rousseff, difundida ilegalmente pelo juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro]. Importa porém reter que da parte da direita sobejaram as invocações divinas e desejos messiânicos; justificou-se o voto «sim» pelos familiares e amigos, vivos, mortos e vindouros, havendo casos em que era possível perceber uma parte da árvore genealógico do orador; terras, lugares, lugarejos e o próprio Brasil foram chamados à colação – um desfile de discursos que em nada se referiram às alegadas irregularidades cometidas por Dilma Rousseff, e que em tudo foram próximos do «Deus, Pátria e Família» proferido pelo ditador fascista português Salazar. O deputado Jair Bolsonaro dedicou o seu voto ao coronel Ustra, que torturou Dilma Rousseff. O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra é conhecido como uma das mais sinistras figuras da história do Brasil, responsável por perseguições, tortura e morte de opositores à ditadura militar. Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador.
Fora da assembleia da República Federal, na Esplanada dos Ministérios, à esquerda concentrou-se uma multidão em defesa da democracia. À direita, muitos menos defendiam a destituição da presidente. A participação de um e do outro lado foi, de forma sumamente agravada, semelhante nas dezenas de protestos contra e a favor do impeachement, realizados nas maiores cidade do país. Em São Paulo foi particularmente evidente a diferença sócio-política e numérica. Os golpistas manifestaram-se junto ao grémio de industriais paulistas. Os antigolpistas, numa das maiores praças do centro metropolitano.
Dilma Rousseff não é suspeita, investigada ou acusada de qualquer crime. Repetiu-o em comunicação ao país ocorrida antes da votação, a qual, tendo ocorrido no dia em que se assinalou 20 anos sobre o massacre de 19 trabalhadores rurais no «El Dourado dos Carajás», apesar de tudo não pode deixar de convocar esperança. Como a luta dos sem-terra, também o combate pela democracia continua e prevalecerá sobre a barbárie, o que aliás, foi salientado por parlamentares que expressaram «Não ao golpe» e ficou claro pela dimensão de massas das acções de rua.
Dos 513 deputados brasileiros, 299 são alvo de investigação por parte das autoridades judiciais e/ou pelo Tribunal de Contas, num total de 1131 ocorrências (191 têm mais de um processo e 76 foram já condenados), indicam os dados da Transparência Brasil e o registo do Supremo Tribunal Federal brasileiro. O PMDB lidera o total de envolvidos.
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