Os EUA são uma democracia?
Responda rápido.
Sim ou não?
O que é que não entende?
Ou é uma democracia não é!
Não compreende?
Então deixe eu lhe explicar a origem etimológica do termo: democracia é o «poder do povo». Simples não é?
Ou todo o povo pode escolher os seus líderes em condições de igualdade e liberdade, ou não pode. Sim, é verdade que nos EUA mais de 12 milhões de pessoas estão privados desse direito por serem imigrantes ilegais, mas os cidadãos podem votar.
Claro que o resultado dessas eleições depende de campanhas de centenas de milhões de dólares doados diretamente pelos homens mais ricos do país… mas no fim ganha quem tiver mais votos, né?
Não necessariamente, é certo, porque, como já aconteceu na corrida pelo governo entre Bush e Gore, o Supremo Tribunal pode dar a presidência ao candidato menos votado, mesmo que meio milhão de votos o separem do vencedor. Mas pelo menos os cidadãos não são violentamente reprimidos pelo Estado, exceto, evidentemente, se esses cidadãos forem afro-americanos.
Quiçá um estudo, publicado em 2014 pela Universidade de Princeton, nos EUA, possa contribuir para o debate: durante vinte anos, os prestigiados professores Martin Gilens e Benjamin Page procuraram saber se o regime dos EUA respeita o conceito de democracia. No âmbito deste estudo, os académicos levaram a cabo uma curiosa experiência social: perguntaram a duas mil pessoas de diferentes extratos sociais se concordavam com um conjunto de propostas políticas em debate na sociedade estado-unidense. E eis a conclusão: só as propostas políticas que agradaram aos entrevistados mais ricos é que foram executadas pelo governo.
Pelo contrário, apenas 18 por cento das propostas preferidas dos entrevistados de classe trabalhadora é que se transformaram em políticas públicas. Segundo os dois estudiosos, «as políticas públicas estão dominadas por poderosas organizações empresariais e por um pequeno número de magnatas americanos, pelo que a ideia de a América ser uma sociedade democrática está seriamente comprometida».
As conclusões dos investigadores permitem, pelo menos, demonstrar que os EUA não se enquadram na definição democrática de Abraham Lincoln: «o governo do povo, pelo povo e para o povo». Não só mais de metade dos congressistas são milionários como estes representantes dependem dos 0,4 por cento mais ricos da população, que financiam o grosso das campanhas eleitorais no âmbito de actividades legais de lobby.
Democracias e plutocracias
Como Lincoln, Jean-Jacques Rousseau, outro fundador do conceito moderno de democracia, tampouco definiu exclusivamente democracia como o cumprimento de formalidades eleitorais.
Inversamente, Rousseau defendia que o regime democrático não é compatível com sociedades em que uma minoria seja muito rica e uma ampla maioria viva na pobreza. Escrevendo sobre o parlamentarismo inglês do séc. XVIII, Rousseau acusa: «os ingleses acham-se livres porque votam de xis em xis anos para eleger os seus representantes, mas esquecem-se de que no dia seguinte a terem votado, são tão escravos como no dia anterior à votação».
Para Rousseau, não é possível delegar a soberania e a representatividade numa sociedade de classes antagónicas. Ou seja, um patrão não pode representar os interesses de um trabalhador como o opressor não pode representar o oprimido. Para o filósofo francês, a democracia seria irrealizável até à construção de uma sociedade sem classes sociais.
Neste sentido todas as sociedades modernas representam ditaduras de uma classe social sobre outra classe social, pelo que a democraticidade não é nunca absoluta e só pode ser apreciada na medida relativa das suas limitações. Regressando aos EUA, devemo-nos portanto questionar quão democrático é o acesso à cultura, à habitação, à saúde e à educação naquele país? E, mais ainda, quão democrática é a economia ou o funcionamento das empresas?
Mas não fujamos à questão: saber se os EUA é ou não uma democracia. Lénine faz uma pergunta bem mais premente: democracia para quem? Isto porque um governo «dos ricos, pelos ricos e para os ricos» não se chama democracia, mas «plutocracia».
E então? Democracia ou ditadura? Ainda não sabe?
Recuemos a Péricles, porventura o autor da mais antiga das definições de democracia: para o filósofo grego, para uma democracia ser verdadeira deve cumprir três critérios: em primeiro lugar, o regime democrático deve ser autóctone, não podendo ser importado ou copiado; em segundo lugar, a democracia deve servir sempre os interesses economicos da maioria da população; finalmente, a democracia deve obedecer a leis justas e iguais para todos. E contudo, na Grécia Antiga os escravos, os escravos libertados e as mulheres não tinham quaisquer direitos políticos, confinando a democracia a 20 por cento da população.
Agora diga-me: a Grécia Antiga era uma democracia? Sim ou não? Responda rápido.
Acabou o seu tempo, coxinha.
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