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Jorge Mautner: O Filosofo que batuca pelo Amor

 
 
UM VAMPIRO DO KAOS QUE DANÇA NO RITIMO DO MARACATU ATOMICO

JORGE MATNER 
Filho de Anna Illichi, de origem iugoslava e católica, e de Paul Mautner, judeu austríaco, Jorge Mautner nasceu pouco tempo depois de seus pais desembarcarem no Brasil: "Eu nasci aqui um mês depois de meus pais chegarem ao Brasil, fugindo do holocausto".

Em 10 de dezembro de 1973, no período mais duro da ditadura militar, participa do Banquete dos Mendigos, show-manifesto idealizado e dirigido por Jards Macalé, em comemoração dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Do espetáculo participam também Chico Buarque, Dominguinhos, Edu Lobo, Gal Costa, Gonzaguinha, Johnny Alf, Luis Melodia, Milton Nascimento, MPB-4, Nelson Jacobina, Paulinho da Viola, Raul Seixas, entre outros artistas. Com apoio da ONU, o show acontece no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, transformado em "território livre", e resulta em álbum duplo gravado ao vivo. O disco foi proibido durante seis anos pelo regime militar e liberado somente em 1979.


O ESCRITOR DO KAOS
Jorge Mautner é autor de vários livros, entre eles Deus da chuva e da morte (1962), que recebeu o Prêmio Jabuti de literatura, e Fragmentos de sabonete (1973).
Seu trabalho mais profundo no campo da literatura traz uma obra de 1983, que aborda uma revolução sensorial para além desse mundo físico e limitado aonde vivemos com medo do Kaos.
 
FUNDAMENTOS DO KAOS

É na hora talvez da depressão mais profunda, do vale mais enchido de lágrimas (e por isso mesmo um lago de choro seco), da tristeza mais chorona, que a gente dá o salto, e atinge o inesperado oxigênio da angústia que provoca a  serenidade.
As incompreensões ditadas pela carência, pela ausência de dadivosidade talvez seja demais exigir tanta coisa de seres humanos tão carentes, tão cercados pela miséria) as ações que tendem a dividir, e não unir. O desequilíbrio no juízo crítico. A noção possessiva e objetificada no amor. As ações desencadeadas pelo grande medo, emocional, social, coletivo, individual-existencial intransferível. Todos os medos reunidos na geléia geral do medo.
Mas no medo ainda se está no terror do pesadelo, na angústia deu-se o salto, emergiu-se para a serenidade ditada por estranha mistura simultânea e constante da tristeza com a alegria, uma espécie de porco doce-azedo chinês, um resumo ocidental do Tao chinês, um retalho de retratos zen, uma explosão e uma imp1osão (uma bomba A e outra H, uma converte matéria em energia, a outra energia em matéria) assim os meus pensamentos de agora se dirigem com extrema lógica pelo tempestuoso mar das paixões.
As ambiguidades em solene movimento. A tristeza esvoaça como esquadrilha de Migs soviéticos imperialistas da KGB querendo bombardear algum território chinês ideogrâmico, ou algum pomar e jardim de belezas ocidentais onde arranha-céus redescobrem a natureza com a ecologia e o samba é irmão gêmeo dos blues da genial raça afro-india--americana que faz o planeta pulular de novidades e alegria com encanto e sinceridade e falta de mesquinhez. Vôos altos, baixos, herméticos, abertos, é sempre imperativo do: tudo ao mesmo tempo. Porque condenam assim uma mente assim? Esse sistema nervoso, será incompatível com o mais?
A paranóia é o mito defensivo da nossa mais íntima memória e mais acarinhado projeto. A destruição obra dos inimigos e traidores. O amor é o pássaro que anuncia a Paz, e a guerra motivada por ódios terrenos de conquista e ciúmes. De Tróia até a nossa triste guerra entre as paredes cinzentas desse quarto guanabarino. Chove, chove, a chuva é muito reconfortante pois tem um ritmo de mil batuques de alguma Iemanjá celestial.
 
 
 
 
Kaos = aparente repetição, é como o ato sexual; deixaria de ser gostoso por ser sempre aparentemente a mesma coisa?
Kaos = introdução de monotonia oriental no proceder e na arte do homem ocidental. Nova noção de tempo.
Kaos = avanço em espiral, rebelião pura e permanente, luta contra a III guerra mundial absorvendo-a, dormindo com ela, tornando-a comestível, realidade sexual, palpável, gustável.
Kaos= tensãodramática, enlouquecedora, purificadora, da existência. Tensão que aumenta sempre, tensão contraditória com estados de alma os mais opostos e diversos, convergindo sempre para uma tensão maior e para una ampliação maior dos opostos em intensidade e fúria, aumentando assim a intensidade da tensão. Sado-masoquismo, depois um supra sado-masoquismo, e depois um supra-supra sado-masoquismo, e assim por diante, consciência-intuição, razão-irracional, triste-alegre, luz-escuridão, Yang-Yin, tudo aumentando sem cessar, em intensidade e fúria, aumentando assim a tensão que une os opostos em crescimento contínuo, crescimento que inclui recuos, mortes, não-crescimentos, assassinatos.
Kaos =o que eu sou. Ilegível e legível, sábio e burro, queimação, fogo que arde dentro da gente, necessidade de dizer, de dizer, de roubar o segredo dos deuses. E depois de cada roubo, a certeza de que há um segredo maior e que é preciso roubá-lo também, e assim por diante.
 

Eu quero ser como a locomotiva

Jorge Mautner


Eu quero ser como a locomotiva
Para atropelar você
Fazendo tchuc, tchuc, tchuc, tchuc, tchuc, tchuc... tchiuí
Por todos os campos, em todos os cantos
Vendo as flores a nascer

Eu quero ser como um gato do mato
Que vive só miando
Fazendo miau, miau, miau, miau, miau...
Chorando acordado, chorando dormindo
Chorando cantando

Eu quero ser como um triste vampiro
Voando pela cidade
Fazendo vum, vum, vum, vum, vum, vum, vum, vum...
Com minha capa sombria, com a mente tão fria
Atrás da felicidade

Eu quero ser como a serpente da água
Que vive só na mágoa
Fazendo pisss, pisss, pisss, pisss, pisss, pisss, pisss...
Comendo a uva, bebendo a chuva
Que do céu deságua

Eu quero ser como um telefone de plástico
Pra ligar só pra você
Fazendo trrrim, trrrim, trrrim, trrrim, trrrim, trrrim...
Alô, alô, quem fala? É o meu grande amor?
Vou saindo pra te ver

Eu quero ser como uma tv colorida
Pra mostrar todas as cores
Fazendo miummm, miummm, miummm, miummm...
Num programa de beijos, de loucos desejos
E de loucos amores

Eu quero ser como um chiclé de bola
Pra estourar na sua boca
Fazendo ploft, ploft, ploft, ploft, ploft, ploft...
Vivendo contente, grudando no seu dente
Ai, que coisa mais louca

Eu quero ser como um carro de praça
Levando a multidão
Fazendo fón, fón, fón, fón, fón, fón... rrrrrrr... fón, fón...
Com o corpo cansado, com o breque quebrado
Na avenida São João

Eu quero ser como um riso de amor
Na boca de um anjo
Fazendo hã, hã, hã, hã, hã, hã, hã, hã, hã...
Em cimas das nuvens, ao lado de Deus
Tocando o meu banjo

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