Criação de banco dos Brics significará alento diante da hegemonia de organismos internacionais habituados a exigir regimes de austeridade a qualquer preço, inclusive o de agravar problemas sociais
A situação da Grécia estará na pauta da 7ª Cúpula dos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, marcado para a quinta-feira (9) em Ufa, na Rússia. "Vamos ver o que os Brics podem fazer em relação à Grécia", afirma o correspondente daRBA na Europa, Flávio Aguiar, em seu comentário de hoje (6) na rádio. "É uma questão de cautela nesse caso, porque Rússia e China de certo modo já andaram conversando com Alexis Tsipras, mas a cautela é necessária porque, em relação à União Europeia, a Rússia está em uma posição delicada decorrente da crise na Ucrânia. Não interessa à Rússia afrontar a União Europeia neste momento."
Segundo o comentarista, a posição da China é semelhante à da Rússia. "Os investimentos chineses são bem-vindos, mas a China na Europa é vista com muita desconfiança pelo establishment europeu. Até aventaram a possibilidade em conversações prévias da Grécia integrar o clube dos Brics. Isso poderia ser interessante, mas vai depender também da posição dos demais membros, como o Brasil e a África do Sul."
Outro assunto que estará na pauta é a promessa de que o banco dos Brics estará em operação dentro de 30 dias. "Isso pode ser uma boa notícia não só para a Grécia, mas também para os próprios países membros dos Brics, porque isso significaria a médio prazo a construção de uma alternativa a esses organismos que têm hegemonia no plano financeiro internacional, como o FMI e o Banco Mundial. Então, esse anúncio da entrada em funcionamento do banco é uma notícia muito boa e certamente a cúpula vai reafirmar essa disposição", afirma.
A semana começou com pedido de demissão do ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis. O pedido foi justificado pelo próprio ministro como um gesto dirigido a fortalecer o governo do primeiro-ministro Alexis Tsipras nas novas negociações com os membros da zona do euro. O referendo popular realizado ontem (5) no país mediterrâneo garantiu a vitória do 'não' ao plano de austeridade de cunho neoliberalista defendido pelos credores da União Europeia.
No referendo, 62,5% dos eleitores compareceram, houve apenas 5,8% de votos nulos e brancos, e o 'não' obteve vitória com 61,31%, ante 38,69% do 'sim' entre os dos votos válidos. “É uma vitória insofismável para o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras e também uma derrota para Angela Merkel, a grande liderança da União Europeia. Sua política é posta em xeque com esse resultado”, avalia Flávio Aguiar.
“Varoufakis considera que se tornou uma figura não palatável para os outros ministros da área financeira. E isso tem um fundo de verdade. Varoufax, como professor de economia e acadêmico, é muito melhor que todo esse conjunto de ministros, inclusive o ministro alemão Wolfgang Schober. Nas reuniões que tinha com os ministros da área financeira, Varoufax dava um baile em todos eles porque conseguia argumentar contra os planos de austeridade”, afirmou Aguiar, destacando o apoio que o ministro recebeu de prêmios Nobel da Economia, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, e também do economista Thomas Piketty, autor do livroO Capital, sobre o capitalismo no século 21. “Varoufakis realmente se tornou uma figura não grata para os demais ministros. E ele diz que com sua renúncia pode facilitar o caminho de Tsipras para chegar a um acordo”.
No Banco Central Europeu, todos se esforçaram para derrotar o 'não' e queriam inclusive com isso provocar a saída do primeiro ministro Alexis Tsipras. “Mas a população preferiu o 'não' até porque, segundo os analistas, uma grande parte da população grega não tem mais o que perder”, diz Aguiar. “A Grécia já vive uma catástrofe há vários anos, de modo que nesse quadro de não ter o que perder a população resolveu reforçar o poder de negociação do seu governo, o que não quer dizer que vai haver negociação. Para as lideranças da zona do euro a situação ficou realmente confusa porque eles se comprometeram tanto em não negociar com Alexis Tsipras, que agora uma volta atrás vai ser vista pelas próprias populações dos diferentes países do bloco como uma espécie de reconhecimento devastador da derrota política que de fato acabaram sofrendo”.
Hoje e amanhã, se multiplicam as reuniões de lideranças do bloco europeu. A chanceler alemã, Angela Merkel, vai a Paris conversar com o presidente francês, François Hollande, e buscar uma posição conjunta. Amanhã há um encontro de ministros da área financeira da zona do euro e há também uma cúpula da União Europeia para discutir a situação e avaliar o que fazer diante dessa recusa grega aos planos de austeridade.
“Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), também está reunido com Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, enfim, há uma série de reuniões e ninguém sabe ainda prever o que vai acontecer”, diz o comentarista. “Mas essa decisão do referendo grego foi uma derrota até certo ponto ingenuamente inesperada pelas lideranças do establishment europeu. Era de se prever, já havia claros sinais de que o 'não' venceria, apesar de que várias pesquisas de opinião davam vitória para o 'sim' e esses institutos de pesquisas ficaram com a cara no chão, porque as pesquisas davam uma vitória apertada para o 'sim', mas os sinais de que o 'não' venceria eram muito claros”, afirmou.
Há um novo prazo agora, que é 20 de julho. Nesse dia, a Grécia deve pagar € 3,5 bilhões para o Banco Central Europeu. "Se a Grécia não pagar nesse dia, o BCE vai cortar, como já cortou nos últimos dias, para tentar derrubar o governo Tsipras, o financiamento dos bancos gregos. E nesse caso, realmente, a saída do euro vai ser inevitável para a Grécia", afirma. Ele também destaca que economistas não ortodoxos dizem que no curto prazo a saída pode ser uma catástrofe, mas no longo prazo pode ser a solução para a crise grega.
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