Entenda porque Frejat defende a lei nº 12.853/13 à gestão do governo sobre os fundos destinados aos autores.
Em 16 de março/2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública, convocada em janeiro pelo ministro Luiz Fux, para discutir a constitucionalidade da reforma da gestão coletiva musical no Brasil. Mais precisamente, da Lei 12.853/13, aprovada no Senado em julho/2013, numa sessão marcada pela presença de vários figurões do cenário musical brasileiro, que haviam fundado pouco antes o movimento Procure Saber.
O então Projeto de Lei do Senado 129 seguiu seu caminho: aprovado na Câmara e sancionado pela presidenta da República, entrou em vigor em dezembro de 2013.
A lei nº 12.853/13 estabelece novas regras para a cobrança, arrecadação e distribuição de direitos autorais, entre elas o percentual de arrecadação para os titulares dos direitos, como compositores e intérpretes que atualmente é de 75,5% e que passará a ser, gradativamente, de 85%.
Hoje, não existe participação de órgãos públicos na gestão dos recursos pagos por direitos autorais, a lei determina que as entidades que irão cobrar pelo uso das obras musicais, literomusicais e fonogramas, deverão antes se habilitar junto ao Poder Público, cumprindo uma série de requisitos.
A nova Lei pretende ainda dar transparência para a gestão dos valores arrecadados e pagos pela execução de obras protegidas por direitos autorais, inclusive produções audiovisuais, determinado a obrigatoriedade de publicidade por meio de site próprio do ente arrecadador. A lei estabelece que O Ministério da Cultura deverá constituir comissão permanente para aperfeiçoamento da gestão coletiva, onde promoverá o aprimoramento contínuo da gestão coletiva de direitos autorais no Brasil
Como era de esperar, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e as associações arrecadadoras que o administram propuseram duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), pedindo que o STF declare a nova lei integralmente inconstitucional.
Diante de uma matéria tão técnica, o ministro relator Fux abriu inscrições para a manifestação de defensores de cada um dos lados. Foram 12 escolhidos do lado da lei e 12 do lado da sua inconstitucionalidade. E as falas de dez minutos foram organizadas de forma escalonada: um contra, um a favor, um contra, um a favor.
Lobão, sem elaborar muito, disse que a lei é inconstitucional pela intervenção no privado – um pouco antes de afirmar que o Procure Saber é um grupo minoritário, que protagonizou uma “palhaçada”, a exemplo do ato de Roberto Carlos, de ir a Brasília tirar fotos com Dilma Rousseff.
“Estamos entregando o Ecad para um dos governos mais corruptos da história!”, bradaria, talvez só menos emocionado que o advogado e ex-desembargador do Tribunal de Justriça do Rio de Janeiro Sylvio Capanema, que longamente discorreria sobre a incompetência do Estado brasileiro, sua secular corrupção, terminando com a invocação inflamada a Augusto dos Anjos: “O beijo é a véspera do escarro,/ a mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Lobão, fazendo referência ao movimento Procure Saber, contou como foi pego de surpresa com a lei, e como foi “hostilizado quando procurou saber”. Ao que o músico Frejat, que atua há anos no Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP), responderia com menção aos muitos problemas que vê na gestão coletiva, e dizendo que “só critica (a lei) quem não procurou saber”.
Balanço
Se algo pareceu pairar sobre todas as manifestações, esse algo foi a defesa corporativa de uma organização receosa das mudanças no status quo. É insustentável o Ecad querer manter uma imunidade à regulação e à fiscalização que não se verifica nem em setores bem mais introversivamente privados.
As falas pró-situação, enquanto mantinham a defesa ao artista e à cultura no nível do discurso, tratavam como alienadas e desinformadas as posições dos muitos artistas ali presentes ou representados. E esses se queixavam, numa triste ironia, precisamente de como não têm voz ou participação no sistema.
Apesar do que quer sustentar o Ecad, a Lei 12.853 não desapropria o autor de seus direitos. Pelo contrário, pode permitir, se bem regulamentada, o retorno do sistema às suas mãos e equilíbrio nas relações com o usuário da gestão coletiva. Dados os inúmeros desequilíbrios percebidos nessas duas esferas nos últimos anos, a música brasileira só tem a ganhar. Espero que o ministro Fux tenha visto da mesma maneira.
ECAD
No Brasil, o Ecad é a instituição responsável pela proteção dos direitos autorais de execução pública de obras musicais tanto nacionais quanto estrangeiras.Seu principal objetivo é centralizar a arrecadação para a distribuição dos direitos autorais de execução pública musical. Ecad, fixa preços e regras de cobrança e de distribuição dos valores arrecadados. Também é responsável por todas as informações cadastrais pertinentes aos seus titulares filiados, às suas obras musicais e aos seus fonogramas. Estas informações são enviadas ao Ecad a fim de alimentar seu banco de dados.
CPI do Ecad: 15 pessoas indiciadas por cometeram crimes de falsidade ideológica, formação de cartel e apropriação indébita
A comissão parlamentar de inquérito que investigou as atividades do Escritório Central de Arrecadação (Ecad) aprovou relatório que pedia o indiciamento de 15 pessoas e a elaboração de dois projetos de lei.
Em 2012, após seis meses de investigações, os membros da CPI concluíram que os diretores do Ecad e das associações de músicos e compositores que o compõem cometeram crimes de falsidade ideológica, formação de cartel e apropriação indébita. Os nomes dos acusados e seus respectivos crimes foram encaminhados para o Ministério Público para que eles respondam a processos.
“O relatório apontava para aquilo que o Brasil todo já sabia: que o Ecad é uma grande caixa-preta, uma estrutura burocrática, cara, ineficiente, que alimenta seus dirigentes.
1. Partilha de honorários entre dirigentes e advogados
Os processos movidos pelo Ecad contra empresas e emissoras de rádio e TV são um bilhete de loteria para seus funcionários. A cada processo ganho na Justiça, o Ecad distribui um bônus de 1,5% do valor da sentença a seus advogados, que já recebem salário da instituição. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, essa é uma prática incomum em instituições privadas. Só numa dessas ações, em junho de 2001, o Ecad ganhou R$ 23,5 milhões da operadora de TV Sky. Aos advogados, portanto, caberia R$ 345 mil.
Esse tipo de butim já gerou disputa entre os principais dirigentes do Ecad. Numa troca de e-mails entre diretores das associações que compõem o órgão, obtida por ÉPOCA, José Antonio Perdomo, presidente da União Brasileira de Compositores (UBC), acusou Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), de pressionar advogados para receber metade dos honorários de uma ação judicial que ainda nem sequer foi julgada. “Para você é normal um presidente de sociedade pressionar um funcionário a dividir com ele os seus honorários?”, pergunta Perdomo, no e-mail. Nele, Perdomo atribui a Mello a seguinte frase: “Pelo que fiquei sabendo, essa já é uma prática há muito tempo corrente no Ecad, inclusive envolvendo advogados, até de sociedade”.
Questionado, o Ecad disse que não se manifesta sobre mensagens de diretores de associações. O órgão disse também que só pagou a comissão de 1,5% aos advogados em um caso de ação envolvendo a TV Bandeirantes. Atas de reuniões do órgão obtidas por ÉPOCA, porém, mostram a aprovação de pagamentos a advogados em pelo menos três ocasiões, com valores que variam de R$ 100 mil a R$ 300 mil. Numa reunião realizada em 24 de agosto de 2000, o representante da Amar, outra associação integrante do Ecad, protestou contra os pagamentos, “já que os advogados são empregados do Ecad e recebem salários mensais”. Apesar do protesto, a assembleia do órgão aprovou um pagamento de R$ 100 mil.
2. Falsificação de assinaturas
Em maio de 2006, a associação de músicos Átida foi excluída do Ecad. s Seus músicos foram transferidos para outras instituições. Pelo menos 28 deles, porém, foram transferidos para outra entidade, depois que suas assinaturas foram falsificadas, conforme mostra um relatório de sindicância interna do Ecad a que ÉPOCA teve acesso. A grande beneficiária com a fraude foi a associação Acimbra, para onde foram transferidos os 28 músicos. Durante todo o ano de 2005, a Acimbra recebeu R$ 64 mil, enquanto a Átida embolsou R$ 3,4 milhões. Depois da exclusão da Átida e da incorporação dos novos membros, a Acimbra recebeu, só nos meses de maio e junho de 2006, R$ 571 mil, mais de oito vezes a soma do ano anterior. O Ecad afirma que a notícia crime foi apresentada pelo próprio órgão e que isso gerou um inquérito policial na 10a DP de Botafogo, no Rio de Janeiro. Na queixa, o Ecad figura como vítima.
3. Pagamentos à associação extinta
Os balanços do Ecad de 2008, 2009 e 2010 registram pagamentos para a Átida, associação de músicos excluída da entidade em 2006. Os valores são respectivamente de R$ 127 mil, R$ 115 mil e R$ 110 mil. O presidente da Átida, Mário Henrique de Oliveira, afirma que a associação não recebeu um centavo dessas quantias. “A Átida nem conta bancária tem”, diz. Apesar de os balanços de 2008 e 2009 mostrarem desembolsos para a Átida, o Ecad confirmou apenas os pagamentos de 2010.
4. Patrocínio para magistrados
Envolvido em constantes e inúmeras ações judiciais, o Ecad acatou proposta da Academia Paulista de Magistrados e patrocinou, em setembro de 2004, o Primeiro Congresso Mundial de Gestão Coletiva de Direito Autoral. O Ecad pagou a cota de patrocinador master, R$ 200 mil. Numa das atas de suas assembleias, o Ecad se vangloriou de ser “o patrocinador exclusivo dentro de seu segmento de mercado”.
Em resposta, o Ecad diz que, como qualquer instituição privada, prevê ações voltadas para a “comunicação com o mercado e visibilidade de imagem”. “É de extrema importância para o direito autoral o esclarecimento e a disponibilização de informações sobre o assunto para magistrados, já que eles são fundamentais para que a valorização e a remuneração do trabalho destes titulares seja reconhecido pela sociedade”, afirmou o Ecad em comunicado.
QUEM RECEBEU?
Uma reprodução de balanço do Ecad mostra desembolsos para a associação Átida. Os diretores da associação dizem que o dinheiro não chegou
5. Apropriação de ganhos judiciais
Em outubro de 2001, o Ecad recebeu R$ 19,5 milhões do SBT, referentes a uma ação judicial. O valor deveria ser dividido entre todas as associações, mesmo aquelas que faziam parte do Ecad, mas estavam fora do órgão no momento da vitória judicial (Sadembra, Anacim e Sabem). Sob a alegação de que elas haviam sido excluídas, o Ecad não pagou o porcentual de direito das três. O caso gerou uma ação que tramita na 14a Vara Civil da Comarca do Rio de Janeiro. Enquanto isso, os compositores vinculados às três associações naquela ocasião ainda não viram um centavo cair em suas contas.
6. Governança autoritária
A Sadembra foi expulsa do Ecad em abril de 1999, como registra a ata 212, por discordar recorrentemente de posturas adotadas pelo órgão. No fim de 2001, preocupados com o fato de “os rendimentos estarem minguando”, como escreveram num texto, os diretores da Sadembra enviaram uma carta pedindo ao Ecad a readmissão. Na carta, comprometeram-se a retirar todas as ações judiciais contra o Ecad, a “não dar qualquer entrevista aos meios de divulgação, fazendo pronunciamento sobre o Ecad” e a “não fazer qualquer restrição aos direitos conexos, nem contra as atividades da indústria fonográfica, nacionais ou internacionais”. Mesmo assim, a Sadembra só foi aceita de volta como “administrada”. Tradução: não recuperou seu porcentual de 6,16% de votos na assembleia-geral. O Ecad justificou as exigências e disse que, entre os deveres das associações, está “evitar atos que comprometam a defesa dos direitos autorais”.
7. Proibição de gravações
Apesar de todas as atas de assembleias do Ecad serem registradas em cartório, alguns dirigentes do órgão temem que assuntos discutidos nas reuniões se tornem públicos. Na ata 311, consta que Jorge Francisco da Silva, representante da associação Sicam numa das assembleias, tentou ligar um gravador para registrar o que era dito. O presidente da assembleia, Jorge Costa, exigiu que a fita fosse entregue e foi atendido. Na ata, ficou registrado que o representante da Sicam seria responsabilizado pela divulgação do conteúdo da fita, caso isso ocorresse. Em resposta, o Ecad afirma ser uma instituição privada e diz que não há nenhuma obrigatoriedade legal para liberar a gravação de reuniões.
8. Bônus em ano de deficit
Em dezembro de 2002, mesmo tendo apresentado deficit em seu balanço anual, o Ecad distribuiu, a título de prêmio, para superintendentes, gerentes e chefes de sucursais, R$ 500 mil.
9. Sumiço de documentos
Em maio de 2006, a associação de músicos Átida foi expulsa do Ecad por denúncias de irregularidades. Fora do Ecad, a Átida trocou de diretoria. Em agosto de 2006, um novo dirigente, Mário Henrique de Oliveira, assumiu a associação. Interessado em esclarecer as irregularidades que levaram à exclusão, Oliveira comunicou ao Ecad a instauração de um inquérito no 3º Distrito Policial de São Paulo para apurar as denúncias e pediu acesso aos documentos que comprovassem as fraudes. A assembleia-geral do Ecad decidiu que os documentos teriam de ser enviados à Átida. Embora o Ecad afirme que a documentação foi enviada à Atida e ao Ministério da Cultura, Oliveira afirma: “Até hoje os documentos não chegaram. Já refiz o pedido mil vezes”.
10. O caso Dussek
O cantor Eduardo Dussek move uma ação contra o Ecad por causa do tema de abertura da novela As filhas da mãe, da TV Globo, do qual foi autor e cantor. “Fui remunerado infimamente, em valores que não chegam a 10% do que deveria ter recebido”, disse Dussek, por e-mail. Dussek diz que recebeu R$ 3 mil como compositor e nenhum centavo como cantor. “Prefiro não falar sobre valores porque estão sub judice, mas eu deveria ter recebido o valor de um bom apartamento”, diz. Apesar de a música ser tema de uma novela, ela não constava corretamente do catálogo do órgão. “O Ecad ignorou que alguém cantava a música. Não me pagou nada como intérprete”, diz ele. O Ecad diz que Dussek recebeu R$ 9.072,06 pela música. Segundo o órgão, Dussek consta como intérprete no banco de dados desde 2001 e divide os direitos com outros profissionais, como músicos. Embora atribua a responsabilidade pela medição das execuções à emissora de televisão, o próprio órgão também faz esse controle, num escritório no centro do Rio, conforme mostra a foto que abre esta reportagem.
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