Dilma usará discurso na ONU
para criticar espionagem dos EUA
Pablo Uchoa (BBC - Nova York)
A presidente Dilma Rousseff chega nesta segunda-feira a Nova York para cumprir uma agenda de compromissos políticos e econômicos, incluindo a tarefa de abrir o debate dos líderes na 68ª Assembleia Geral da ONU, na terça-feira.

Não estão confirmados encontros com líderes de outros países, segundo o Planalto. O grosso dos contatos bilaterais será feito pelo ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que, de acordo com o Itamaraty, ficará até o fim da semana em Nova York participando de pelo menos dez reuniões bilaterais.
Segundo o ministério, é possível um encontro entre Figueiredo e o secretário de Estado americano, John Kerry. Seria o primeiro desde que Dilma e o presidente Barack Obama anunciaram o adiamento da visita de Estado da presidente a Washington, por causa das acusações de espionagem.
Figueiredo também participará de reuniões ministeriais do G4 (Alemanha, Brasil, Índia e Japão, que discutem a reforma do Conselho de Segurança da ONU), dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do Ibas (Brasil, Índia e África do Sul).
Além da participação na ONU, Dilma tem previsão de fazer dois outros discursos aqui em Nova York. Na terça-feira, em uma sessão de alto nível sobre desenvolvimento sustentável na ONU, um fórum que entre outras coisas acompanha os resultados da Rio+20. A assembleia geral deste ano é dedicada a uma "agenda de desenvolvimento pós-2015".

Também participam do evento ministros da área econômica do governo – Guido Mantega (Fazenda) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento) – e os presidentes do Banco Central, Alexandre Tombini, e do BNDES, Luciano Coutinho.
A partida da presidente para o Brasil está prevista para a quarta-feira à tarde.
Segurança nas comunicações
A expectativa é que Dilma critique a espionagem americana e expresse algum tipo de apoio a medidas voltadas para incrementar a segurança dos dados nas comunicações globais.

Também existem na ONU discussões sobre a governança da internet – ou a falta dela – em instâncias como a Unesco e a União Internacional das Telecomunicações.
"O que existe atualmente é um vácuo institucional, e os Estados Unidos, nesse vácuo, têm uma vantagem, porque abrigam grande parte da infraestrutura da rede e lideram o desenvolvimento científico-tecnológico mesmo", disse à BBC Brasil a pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio, Joana Varon.
Documentos vazados por Edward Snowden mostraram que o trabalho da NSA foi facilitado pelo fato de grande parte dos dados das comunicações globais – e quase todo o tráfego de dados das comunicações brasileiras – passarem pela infraestrutura americana.
As revelações também mostraram que a NSA utilizou infraestrutura de serviços americana – empresas, provedores, etc – como meio de coletar dados, com ou sem a concordância delas.
Este aspecto recolocou na agenda projetos do Brasil que já estavam em adiantamento, como a criação de vias de tráfego de dados que não passem pelo território americano. Para isso, seriam necessárias obras de infraestrutura envolvendo a colocação de cabos subaquáticos de fibra ótica ligando o Brasil e outros países.
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Documentos vazados por Edward Snowden provocaram atrito entre Brasil e EUA |
Mas na ONU as discussões dizem respeito à governança da rede a partir de um ponto de vista global. "O desafio é pensar um modelo que atenda a necessidades de inovação, em que o Estado não necessariamente tenha um papel central, mas que ao mesmo tempo garanta o respeite aos direitos humanos fundamentais", diz Varon.
Analistas creem que o Brasil poderia contribuir com esse debate de governança da internet oferecendo o seu modelo de comitê nacional de gestão da rede, no qual Estado, empresas e entidades da sociedade civil discutem o tema a partir de um ponto de vista de liberdades individuais.
EUA de cabeça baixa
Qualquer que seja a referência que a presidente faça sobre esta seara em seu discurso, analistas acreditam que expressará uma posição contra esse status quo que implica a vantagem americana. Mas a presidente já deu a entender que a Casa Branca está ciente do tom crítica da mensagem.
"O governo americano entende totalmente que até certo nível a presidente Dilma precisa mostrar firmeza para satisfazer o público brasileiro, que realmente está, com boa razão, irritado com a intrusão americana", acredita o professor de história da Universidade Georgetown, em Washington, Brian McCann.
"A presidente Dilma tem boas justificativas para exigir explicações dos Estados Unidos que ainda estão por vir."
Para o professor, seus interlocutores americanos também sabem que a presidente "tem os problemas brasileiros (para cuidar) e que há uma certa oportunidade em criticar os Estados Unidos para desviar, talvez, a atenção dos problemas dentro do Brasil no momento".
Mais além deste tema, o discurso brasileiro – que tradicionalmente abre a plenária de líderes na ONU – também deve fazer jus ao costume passar em "revista" as questões internacionais, como ressaltou a assessoria do Planalto.
O discurso poderia incluir, portanto, referências a dois outros assuntos que têm dominado as discussões políticas e econômicas, e nos quais o Brasil mantém uma posição crítica à atuação americana.
Um deles é a Síria; o Brasil se opôs a uma ação militar contra o governo sírio, como tem sido proposto pelos Estados Unidos. O outro, o gerenciamento das medidas de afrouxamento monetário pelo Banco Central americano que, se não for feito com cuidado, pode gerar fugas de capitais nos países emergentes.
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