Perto de lançar novo disco, o compositor e escritor Chico Buarque admitiu ter maior habilidade como poeta que como músico e falou sobre a liberdade que se permite em relação ao uso da língua portuguesa.
Em entrevista gravada, disponível apenas à imprensa, o músico citou o escritor português Camilo Castelo Branco ao dizer que, durante o momento de criação de suas letras, se dá o direito de cometer certos "erros" gramaticais, que, no entanto, são conscientes, mantidos por opção estilística.
Ele explica, por exemplo, que numa das canções do novo disco manteve um verso que diz: "Não se atreve num país distante como o meu", embora saiba que a regência adequada não seria esta.
"Eu sei que quem se atreve não se atreve 'numa' coisa. Mas o meu atrever-se aí é intransitivo. Eu não me atrevo e ponto. É uma liberdade que eu estou tomando que algum gramático pode me contestar, mas eu vou discutir com ele", explicou o compositor, que utilizou em seguida Camilo como referência da língua.
"Na parte literária eu conheço mais, entendo, posso discutir com qualquer um. 'tá errado, mas é certo, é assim que eu quero. Se um gramático vier falar comigo eu vou discutir com ele. Não tem no Camilo Castelo Branco, mas eu estou inaugurando essa regência", declarou, todo cheio de si, para em seguida dizer que não possui a mesma segurança com os acordes.
"Com a música fica mais difícil, eu encontro com um músico que eu sei que conhece mais do que eu, aí fico inseguro", admitiu.
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
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