Protestos e reivindicações
marcam o Prêmio Santo Dias
O plenário Juscelino Kubitschek, da Assembleia Legislativa de São Paulo, foi palco da 16ª edição do Prêmio Santo Dias, que destaca o trabalho de pessoas e grupos que lutam contra a violência, o preconceito, a corrupção e em defesa da inclusão social e dos direitos das crianças e dos adolescentes. Este ano, em especial, a premiação ocorreu em um contexto de violência que atinge a população negra e pobre do Estado.
Promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, sob o comando de Adriano Diogo, este ano o prêmio teve participação maciça da população paulista. Uma vigília, em frente à Assembleia, reuniu cerca de mil pessoas que marcharam da Avenida Paulista até o Parlamento Estadual em protesto às execuções de jovens, negros da periferia. Coordenados pelo Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra e Periférica de SP, os manifestantes denunciavam os assassinatos e cobravam das autoridades justiça e por basta de violência.
Os contemplados – Os vencedores do Prêmio foram escolhidos pelos deputados da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Foram eles: o jornalista Leonardo Moretti Sakamoto, presidente da ONG Repórter Brasil, que se dedica à luta contra o trabalho escravo e tráfico de seres humanos; o jornalista André Caramante, que atua na área policial e está fora do país.
Outro ganhador foi o rapper Mano Brown, do grupo Racionais MC’s, escolhido pelo trabalho que desenvolve na periferia em defesa da questão racial, denunciando o genocídio da juventude, negra e pobre. E, também, o grupo Educafro – Educação e Cidadania de Afro-descendentes e Carentes, instituição de ensino que promove a inclusão da população negra e carente nas universidades públicas e particulares.
Menção honrosa – Além dos contemplados, os promotores do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos prestaram algumas homenagens. Receberam menção honrosa a defensora pública Daniela Skromov de Alburquerque, por sua atuação junto aos casos de violação de direitos humanos; a Fundação Criança de São Bernardo e a Casa de David pelo trabalho em defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens; o Movimento Nacional de Direitos Humanos, em homenagem aos seus 30 anos; o jornalista Danilo Manha, que denuncia mazelas da sociedade e Sônia Aparecida dos Santos que luta contra o genocídio da juventude negra e pobre da periferia.
Emoção – Um dos momentos mais emocionantes da noite foi a entrega do prêmio a André Caramante. O jornalista não compareceu porque se encontra refugiado, fora do Brasil, desde setembro, exilado em plena democracia, "após ameaças de morte que recebeu de grupos de extermínio", conforme explicou seu representante, amigo pessoal e professor Milton Bellintani.
O mestre leu trechos da entrevista concedida por Caramante à colega Eliane Brum, em outubro passado. Segundo Caramante, seus problemas começaram quando ele veiculou reportagem intitulada "Ex-chefe da Rota vira político e prega violência no Facebook", numa referência ao então candidato a vereança Paulo Telhada (PSDB).
Comentários e frases contra Caramante começaram a ser veiculadas nas redes sociais, sua família passou a ser perseguida e o jornalista foi ameaçado de morte via telefone e também por e-mail. Bellintani lembrou aos presentes que Caramante e a família tiveram que sair do país e Telhada acabou eleito vereador na cidade de São Paulo.
Garoto pobre da periferia de São Paulo, André foi vendedor de papelão e camelô. Apaixonado pelo futebol, André chegou a jogar em clubes de várzea, mas desistiu do futebol e se formou jornalista.
Há treze anos cobrindo segurança pública, sempre denunciando os desmandos e as arbitrariedades da Polícia Militar, hoje André está vivendo a mesma situação que jornalistas viviam na época da ditadura militar. “Não se trata de um problema de André ou da Folha de São Paulo. É um problema de todos nós. A principal atingida é a liberdade de imprensa em nosso País”, salienta.
Para receber o prêmio, a pedido de Caramante, Bellintani chamou Dona Maria da Conceição, mãe do deficiente físico Carlinhos. O jovem, ao ser abordado pela polícia, não conseguiu se expressar e "acabou morto, tendo a cabeça e as mãos decepadas". Não apenas no evento, mas no decorrer de sua profissão, Dona Maria simboliza o compromisso de André Caramante com a verdade dos fatos. O prêmio a André Caramante foi concedido por indicação de Adriano Diogo.
Mano Brown – Pouco afeto a aparecer na mídia e em eventos políticos, o rapper Mano Brown, líder do Racionais MC’s, compareceu à Assembleia para receber o prêmio Santo Dias, conforme indicação da deputada Leci Brandão. E, sob aplausos, Brown discursou contra o "atual genocídio da juventude negra".
Ele disse que o governo do Estado "usa a morte como marca própria". Mano afirmou que gostaria de saber como o Brasil pode se firmar como um país do G8, permitindo que haja 30 mortos por semana na maior cidade do país. "Já não bastasse tudo o que o preto passa na periferia, ele ainda tem que encarar esse quadro enquanto o governo repete que nada está acontecendo."
Mano Brown sugeriu o impeachment do governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Ele avalia que o governador tem sido conivente com o assassinato de jovens. “O Estado sob o argumento de combate a uma quadrilha, mata os jovens negros desarmados no beco. É o governo das chacinas, que usa a morte como instrumento de domínio”, diz.
Brown conclamou todos a manterem as mobilizações e cobranças de apuração das mortes e o cessar da violência em São Paulo. Danilo Belchior entregou a premiação ao rapper, explicando que vários jovens negros vieram prestigiar a solenidade, vindos em marcha do Masp até a Assembleia, em protesto contra o "genocídio da juventude negra". Leci disse que manifestações como as de hoje na Assembleia só podem acontecer porque existe a Comissão de Direitos Humanos, com um presidente como Adriano Diogo.
De luto – Entre as menções honrosas, uma das escolhidas foi a defensora pública de São Paulo Daniela Skromov de Albuquerque. Daniela ao receber homenagem disse que estava de luto e vestida de preto, em protesto a realidade de São Paulo. “O Estado está muito distante dos tratados de Direitos Humanos. Em nome da ordem se mata. A força bruta se reveste de forma sutil, em nome de um pacto de governabilidade, sob o argumento de combater o traficante, vidas têm sido descartadas”, protestou a jovem procuradora.
Daniela agradeceu o prêmio, ressaltando que aquele que deveria defender o cidadão é aquele que mais o avilta: o Estado. Para ela, "o autoritarismo ainda é muito presente. Precisamos do direito humano mais em prática e menos na teoria".
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