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LULA E AS PROPOSTAS DO FORUM SOCIAL MUNDIAL 2011 - DACAR


Lula no Fórum Social Mundial 2011
LULA CRITICA G-20, ONU E DESTACA CONQUISTAS DE SEU GOVERNO NO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL

Wednesday 9 February 2011, by Christina Fuscaldo
O Fórum Social Mundial 2011 mal começou em Dacar e já é possível dizer que a presença de Luiz Inácio Lula da Silva era a mais esperada do evento. Pelo menos umas das mais. No “Dia da África e Diáspora”, o ex-presidente da República do Brasil e o presidente do país anfitrião, Abdoulaye Wade, falaram sobre fome e sobre o papel geopolítico da África. Lula criticou países do (1) G-20, (2) a Organização das Nações Unidas (ONU) e (3) os que “deram instruções e não evitaram a crise”.
1) “Não pensem que lá tem sensibilidade para o problema da fome, para os pobres do mundo. Só fomos chamados para as reuniões dos países ricos porque eles estavam em crise e precisavam da nossa ajuda.”
2) “A governança mundial está enfraquecida. O mundo está mal representado. Não tem ninguém pra resolver conflitos. A ONU poderia resolver, se fosse representativa.”
3) “É cada vez mais forte a consciência de que o Consenso de Washington faliu. Aqueles que com arrogância nos davam instruções não evitaram a crise. Hoje somos parte essencial e incontornável da solução da crise internacional.”
Lula destacou as conquistas do Brasil durante seu governo: 15 milhões de empregos, o maior salário mínimo em 40 anos, o acesso de 21 milhões de jovens pobres ao ensino superior, mais vagas nas universidades públicas e o reflorestamento.
“Nosso êxito pode servir de estímulo à construção de um caminho alternativo para outras nações na busca de um desenvolvimento sustentável e igualidade social. A partir de 2003, o Brasil resgatou sua soberania política e econômica, afastou-se do neoliberalismo e adotou um novo modelo de desenvolvimento, que nos permitiu dar um salto histórico, distribuindo renda, conhecimento e poder. Nesse período, tiramos 28 milhões de pessoas da linha da pobreza e elevamos outras 38 milhões à classe média no maior processo de mobilidade social de nossa história. Saldamos parte da nossa dívida social e, ao mesmo tempo, pavimentamos o caminho do país para um novo futuro, inclusive em termos científico e sociológicos. Basta dizer que geramos 15 milhões de novos empresgos formais, alcançamos o maior salário mínimo dos últimos 40 anos, levamos energia elétrica a populações mais longínquas, promovemos uma verdadeira revolução produtiva na agricultura familiar, garantimos o acesso de 21 milhões de pobres ao ensino superior, dobramos o número de vagas nas universidades públicas, tudo isso acompanhado de uma sólida política ambiental, que criou 74% das novas florestas protegidas no planeta da década passada.”

As propostas do FSM
As propostas do Fórum Social Mundial em Dacar se organizam em torno de três grandes questões: a situação mundial e a crise, a situação dos movimentos sociais pela cidadania; o processo dos fóruns sociais mundiais.

A situação mundial e a crise
A situação mundial é caracterizada pela profundidade da crise estrutural da globalização do capitalismo. As quatro dimensões de crise social, geopolítica, ecológica e ideológica serão abordadas em Dacar. A crise será abordada a partir especificamente das desigualdades, da pobreza, das discriminações. A crise geopolítica será discutida a partir particularmente das guerras e dos conflitos, do acesso às matérias primas, da emergência das novas potencias mundiais. A crise ecológica estará presente a partir especificamente dos temas mudança climática, do esgotamento das fontes naturais, da água, da ocupação cumulativa das terras, da desertificação, da biodiversidade. A crise ideológica será debatida a partir das ideologias de segurança pública, do debate sobre as liberdades e a democracia, da cultura, da ciência, da modernidade. A hipótese de uma crise de civilização, muito presente depois do fórum social de Belém, será aprofundada.

A evolução da crise coloca em evidencia uma situação contraditória. As analises feitas pelo movimento alternativo a globalização são aceitas e reconhecidas e contribuem para a crise ideológica neoliberal. As proposições oriundas dos movimentos são aceitas como base de referencia; por exemplo; o controle do setor bancário e financeiro, a supressão dos paraísos fiscais e judiciários, as tachas internacionais, o conceito de segurança alimentar, consideradas não há muito tempo como heresias, estão na ordem do dia do G8 e do G20. No entanto, elas não se traduzem como políticas viáveis, elas são desviadas e recuperadas e se dobram a arrogância das classes dominantes seguras de seu poder.
A validação das hipóteses se traduz por certa banalização do discurso do movimento. Ela necessita lapidar as perspectivas e dar mais lugar ao debate estratégico, à articulação entre a urgência e a duração, às resistências e à transformação profunda. A situação coloca em evidencia a dupla natureza da crise, estrangulada entre a crise do neoliberalismo, que é uma fase da globalização do capitalismo e a crise do capitalismo, ela mesma; uma crise do sistema que pode ser analisada como uma crise da civilização, essa civilização ocidental, que se impõe desde o inicio do século XV.


As alianças estratégicas nessa situação devem corresponder a uma dupla exigência. A primeira exigência concerne na luta contra a pobreza, a miséria, a desigualdade, a precariedade, os atentados a liberdade no mundo para permitir uma melhor condição de vida e expressão das camadas populares diretamente afetadas pelas políticas econômicas e sociais dominantes. A segunda exigência coloca em evidencia que o outro mundo possível e necessário passa pela ruptura com os modos de produção, de consumação e redistribuição econômica, social, ecológica, em relação à força geopolítica posta nessas últimas décadas e os modelos democráticos colocados antes pelo ocidente.
Três proposições emergem como resposta à crise: aquelas neo-conservadoras que propõem a salvaguarda da política dominante e dos privilégios que lhes são agregados ao cabo da restrição das liberdades, da continuidade crescente das desigualdades e da extensão dos conflitos e das guerras; esta que propõe a reformulação em profundidade do capitalismo, defendida por apoiadores do “ Green new-deal – novo acordo verde» que propõem uma regulamentação mundial, das redistribuições relativas e uma promoção voluntaria das “economias verdes”; essa de uma alternativa radical ecológica e social que corresponde a uma mudança de lugares do sistema atual dominante. O espaço do Fórum social mundial reagrupa todos que recusam a opção neoconservadora e a manutenção da lógica neoliberal. Constitui um espaço de discussão, vigoroso e evolutivo entre movimentos que se situam dentro da perspectiva de « desalinhamento » ao « Green new-deal » e daqueles que defendem a necessidade de alternativas radicais.


A referencia ao contexto africano
O Fórum social mundial em Dacar colocará na dianteira muitas questões essenciais que serão melhor evidenciadas por se tratar de um debate no contexto africano. O foco do debate será sobre a África na situação mundial da crise. A África é um revelador e um analisador da situação mundial. A África não é pobre, ela é empobrecida. Ela não é marginalizada, ela é explorada. Ela é indispensável ao equilíbrio econômico e ecológico do mundo por causa das suas matérias primas e seus recursos naturais e humanos que são cobiçados tanto pelos países do Norte como pelos países emergentes, com a cumplicidade ativa de uma parte dos dirigentes dos Estados africanos.

O debate focalizará a descolonização como processo histórico inacabado. A crise do neoliberalismo e da hegemonia dos EUA inscrevem a possibilidade de uma nova fase de descolonização, assim como o enfraquecimento das potencias coloniais européias. A representação Norte-Sul está em vias de mudar, o que não anula a realidade das contradições geopolíticas e econômicas entre o Norte e o Sul.
O foco será também sobre a diáspora e as migrações como questões estruturais da globalização. Essa questão será abordada a partir da situação atual de imigrantes e de seus direitos. Ela será tratada ao longo dos tempos a partir de um retorno ao trafico negreiro. E será entendida na perspectiva do papel crescente econômico e cultural das diásporas. Focalizará a evolução do sistema internacional, das instituições internacionais e das negociações internacionais. O debate concernirá particularmente sobre as questões que fazem necessárias à criação de uma regulamentação mundial: os equilíbrios ecológicos, as migrações e diásporas, os conflitos e guerras.

A situação dos movimentos sociais e de cidadania
A convergência dos movimentos que constitui o espaço do Fórum social mundial é consolidado nas resistências sociais, ecológicas e democráticas. As lutas sociais se prolongam na luta pela cidadania, pela liberdade e contra a discriminação. As resistências são indissociáveis das práticas concretas de emancipação que pregam os movimentos.

A orientação estratégica dos movimentos se organiza em torno do acesso aos direitos a todos, de igualdade de direitos e de uma democracia imperativa. Os movimentos carregam um novo movimento histórico de emancipação que prolonga e renova os movimentos precedentes. É em torno da definição de direitos, de sua prática e de sua garantia que se defini um novo período de emancipação possível. Ela implica em revisitar as concepções de direito de diferentes gerações: as dos direitos civis e políticos, formalizados pelas revoluções do século XVIII, reafirmados pela Declaração Universal dos Direitos dos Homens, complementados pelas abordagens, colocadas a partir dos totalitarismos dos anos 60; os direitos dos povos proclamados pelos movimentos de descolonização em torno do direito a autodeterminação, do controle de recursos naturais, do direito ao desenvolvimento e do direito a democracia; os direitos econômicos, sociais e culturais da Declaração Universal e especificados pelo Protocolo adicional, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 2000.

Uma nova geração de direito está em gestação; ele corresponde a expressão da dimensão planetária e do direito que se define na busca de outro mundo em relação à globalização dominante. Desse ponto de vista, duas questões serão muito presentes em Dacar: os direitos ambientais na perspectiva da preservação do planeta; os direitos de migrantes e de migrações que interpelam os lugares de fronteiras e de organização do espaço mundial. O FSM de Belém colocou em evidencia o interesse de aproximação aos movimentos que abordam questões ecológicas nas diferentes dimensões, do clima ao esgotamento dos recursos naturais e da biodiversidade, à usurpação da água, das terras e de matérias primarias. O FSM de Dacar colocará em evidencia uma nova aproximação, a de migrações com a ligação entre migração e diásporas e a Charte - Carta - Mundial dos Migrantes.

O FSM de Dacar será também um momento de investigação sobre a descolonização inacabada e sobre a abertura de uma nova fase de descolonização. Nessa perspectiva em que se situa a evolução das relações entre Norte e Sul. Certo da mudança da representação Norte-Sul; do ponto de vista da estrutura social, existe um Norte no Sul e um Sul no Norte. A emergência dos grandes Estados modifica o equilíbrio econômico e geopolítico mundial. Ela é conformada pela ascensão em crescimento de mais de trinta Estados que podem ser considerados emergentes. No entanto, as formas de dominação restam determinantes na ordem mundial; a noção do Sul conserva uma forte atualidade. O Fórum social mundial coloca em evidencia uma nova questão, a do papel histórico e estratégico dos movimentos sociais e os pela cidadania no conjunto dos países emergentes, em relação a seu Estado e lugar desses Estados no mundo futuro. Essa questão, que vem marcando os fóruns através do papel dos movimentos brasileiros e indianos, é de suma importância estratégica para a evolução geopolítica ligada à crise.

O Fórum social mundial é o espaço de encontro entre os movimentos de diversas naturezas e de regiões do mundo. Esse encontro já havia começado a partir da rede que reagrupa diferentes movimentos nacionais. Duas evoluções se afirmam através do processo dos fóruns. Primeiro, os agrupamentos dos movimentos em grandes regiões, suas características e suas situações específicas. Como também, os movimentos da America Latina, na America do Norte, na Ásia do Sul e particularmente na Índia, na Ásia do Sudoeste, Japão, na Europa e Rússia. O Fórum social mundial de Dacar será marcado por duas evoluções importantes, a dos movimentos da região do Maghreb-Machrek, que marcou o ano de 2010 e a preparação de Dacar. O vigor do movimento social africano será visível em Dacar, a partir dos movimentos dos camponeses, sindicalistas, feministas, dos jovens, dos habitantes, dos migrantes e dos refugiados, dos grupos culturais e originários, dos comitês contra a pobreza e a dívidas, do trabalho informal e da economia solidaria, etc. Esses movimentos são visíveis, com seus pontos de convergências e suas diversidades nas sub-regiões africanas, na África do Norte, sobre tudo no Maghreb, na África Ocidental e Central, na África Oriental e Austral.

Durante o Fórum social mundial de Dacar, uma questão presente será aquela de desobstrução das políticas das mobilizações sociais e das mobilizações pela cidadania. Ela concerne à expressão política dos movimentos e dos prolongamentos dos movimentos em relação às instituições, o cenário político e o governo dos Estados. Ao nível do conjunto de movimentos, a reflexão progride sobre a importância de precisar, através da invenção de uma nova cultura política, uma relação do poder com a política. O processo dos FSM deu base para essa nova cultura política (horizontal, diversificada, convergente as rede de cidadania e de movimentos sociais, atividades autogestadas,...) mas deverá ainda inovar sobre muitas abordagens da política e do poder da antiga cultura política que continua largamente dominante. Além disso, a tradução política dos avanços de mobilizações depende das situações. Ela se diferencia seguindo os níveis da natureza das instituições e dos representantes políticos; o nível local através da possibilidade de fazer pesar nas escolhas das autoridades locais; ao nível nacional e internacional através dos governos dos Estados, dos regimes políticos e das instituições internacionais; ao nível regional e mundial através das alianças geoeconômicas e geoculturais e através da construção de uma opinião política mundial e uma consciência universal.

O processo dos fóruns sociais mundiais
Depois do Fórum social de Belém, durante o ano global de ações de 2010, mais de quarenta eventos mostraram a força do processo. Entre eles, o fórum de dez anos atrás em Porto Alegre, o fórum social nos Estados Unidos, o do México e o das Américas, muitos fóruns na Ásia, o fórum mundial da educação na Palestina, mais de 8 fóruns no Maghreb e no Machrek, etc. Cada evento associado decidiu e organizou um comitê de iniciativa local. Isso é resultado da Carta de princípios do Fórum social mundial, que adota uma metodologia que deixa espaço para importantes atividades autogestoras, que declaram suas iniciativas no Conselho Internacional do FSM. Essa multiplicação de obra é uma perspectiva de extensão do processo dos fóruns. Ela ganhou outra forma com esses « fóruns estendido » que consiste em associar o evento a um fórum pelas ligações internet, iniciativas locais em diferentes países. Como o momento do Fórum mundial de educação na Palestina, mais de quarenta iniciativas foram associadas às diversas manifestações de Ramallah. As iniciativas associadas a Dacar estendido inovará o processo dos fóruns.

A preparação do FSM de Dacar se apoiou sobre os eventos do ano global de 2010 e sobre uma serie de iniciativas que procuraram fazer convergências de mobilizações e que permitiram explorar novas pistas em matéria de organização e de metodologia de fóruns. Como também, lembrar as caravanas convergentes em direção a Dacar que passam pelo fórum de mulheres a Kaolack, as jornadas de migração e diáspora, as assembléias de convergência pelas ações, os fóruns associados (Assembléia mundial de habitantes, ciência e democracia, sindical, de autoridades locais e autoridades periféricas, de parlamentares, de teologia da libertação , etc.)

Depois de Dacar, um novo ciclo de processo de fóruns sociais será incluído. O fortalecimento do processo dos fóruns sociais poderá se reafirmar com as grandes mobilizações como Rio+20, as mobilizações pelo G8-G20, ou outras que aceitarão o desafio. Elas serão reconhecidas como os eventos associados ao processo dos fóruns, reunindo assim as mobilizações que, como a Seattle em 1999, contribuíram com seu lançamento.

Por Gustave Massiah e Nathalie Péré-Marzano
do Research and Information Centre for Development (CRID – France) e integrante do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.
Traduzido para a Ciranda por: Larissa Oliveira e Gabarra, larissa.gabarra@gmail.com
O que é o Fórum Social Mundial?
O FSM é um espaço de debate democrático de idéias, aprofundamento da reflexão, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo. Após o primeiro encontro mundial, realizado em 2001, se configurou como um processo mundial permanente de busca e construção de alternativas às políticas neoliberais. Esta definição está na Carta de Princípios, principal documento do FSM.

O Fórum Social Mundial se caracteriza também pela pluralidade e pela diversidade, tendo um caráter não confessional, não governamental e não partidário. Ele se propõe a facilitar a articulação, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mas não pretende ser uma instância representativa da sociedade civil mundial. O Fórum Social Mundial não é uma entidade nem uma organização.

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