Não há paz sob ocupação
O que os palestinianos pedem é muito simples: fim da ocupação, um Estado, livre, independente e viável com as fronteiras de 1967 e com Jerusalém Leste como sua capital – palavras de Ângelo Alves - , após uma visita à Palestina e Israel.
Há uma descrição de uma parte da visita que possivelmente ajuda a compreender a gravidade da situação que encontrámos. Para chegarmos de Telavive (Israel) a Ramallah (a principal cidade palestiniana) tivemos que passar vários check points. Antes tivemos que contornar Jerusalém, com o muro do apharteid quase sempre à vista, pois disseram-nos que era arriscado tentar entrar por Jerusalém. De Ramallah e durante os dois dias subsequentes não nos pudemos deslocar para outras localidades, incluindo Jerusalém Leste, porque Israel encerrou check-points e as condições de segurança não o permitiam. Ou seja, fomos nós próprios vítimas da ocupação, do bloqueio e da divisão...
Essa é a realidade diária daquele povo, a realidade da ocupação. Israel não só ocupa ilegalmente territórios palestinianos como impõe uma divisão e bloqueio dos territórios e prossegue de forma cada vez mais violenta a anexação, quer por via do muro quer por via da construção dos colonatos e das vias de acesso a esses colonatos. A ideia geral com que se fica é que Israel quer inviabilizar qualquer caminho que aponte para a solução dos dois estados. A lógica é a da criação de um único estado de apharteid, israelita, com guetos ou prisões a céu aberto no seu seio, separados entre si, totalmente controlados por Israel.
O povo palestiniano sofre diariamente com a violência e as tentativas de humilhação por parte do exército israelita que faz «incursões» nos territórios sempre que entende. Mas de forma crescente sofre também com a acção dos «colonos» que junto com o exército multiplicam acções de provocação e agressão. Mas há mais. Como nos foi relatado, há toda uma política israelita de asfixia económica nos territórios ocupados, de confisco ilegal de terras, sobretudo aráveis, para vários fins, nomeadamente militares, e de autêntico roubo de recursos, especialmente a água (Israel controla 80% da água dos territórios ocupados). Há ainda a gravíssima situação de Gaza, um estreito de seis por 12 km onde vivem quase dois milhões de pessoas em permanente cerco. E claro, há a questão de Jerusalém que tem nestes dias uma grande visibilidade.
É esta política, de autêntico terrorismo de Estado que está na origem da revolta do povo palestiniano. Israel faz provocações gigantescas como a da Esplanada das Mesquitas, chama terroristas àqueles que resistem à ocupação e à humilhação e com isso tenta justificar mais crimes. Só nos dias em que estivemos na Palestina foram assassinados 21 palestinianos e feridos cerca de 700, como nos relatou o primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana. Falamos de jovens na esmagadora maioria, muito jovens, que – visto pelos nossos olhos – se manifestavam e quando muito atiravam pedras aqueles que os oprimem todos os dias. A resposta vinha na forma de gás lacrimogéneo e balas, de borracha e reais. Ou seja: a situação é de uma revolta crescente do povo da Palestina face a uma política cada vez mais extremista de Israel.
Mais de 20 anos depois da assinatura do primeiro dos Acordos de Olso, e quando a bandeira da Palestina já foi hasteada na sede da ONU, Jerusalém vive um acelerado processo de judaização, aumentam os colonos e sucedem-se as tentativas de separar os palestinianos dos seus locais sagrados.
O governo de Benjamin Netanyahu quer provocar uma terceira Intifada?
As ações provocatórias de Israel em Jerusalém e em particular na Esplanada das Mesquistas têm quatro objetivos centrais: impor uma ainda maior divisão, controle e mesmo isolamento de Jerusalém, consolidando o status quo da ocupação; inviabilizar pela prática a solução de Jerusalém Leste como futura capital da Palestina, anexando-a na sua totalidade; tentar transformar a questão palestiniana numa questão religiosa; e finalmente provocar os palestinianos, os árabes e os muçulmanos de uma forma que podem usar o «casos» para aumentar ainda mais a repressão e os crimes.
Não diria que Israel queira provocar uma 3.ª Intifada. Israel quer provocar o caos nos territórios palestinianos, é essa a sua estratégia. Há uma vertente psicológica terrível na ação terrorista de Israel... o caos, que provoca cansaço e desespero e enfraquece a unidade do povo oprimido. Aliás, o enfraquecimento da unidade do povo palestiniano é sempre o objetivo de Israel. Foi por isso que assinou os Acordos de Oslo. Porque, como o Partido Comunista alertou então, eles continham, além de cedências que iam além do aceitável e se colocavam no campo dos princípios, elementos que Israel usou para tentar dividir o povo palestiniano.
A Intifada é o contrário de divisão. É por isso que digo que Israel não quer provocar uma 3.ª Intifada, porque a Intifada por definição é uma acção organizada, popular e de massas, uma demonstração poderosa da unidade do povo palestiniano. O que Israel quer é provocar violência desordenada para levar por diante a sua estratégia externa e interna. Externa para justificar ainda mais violência e crimes contra o povo da Palestina; interna para alimentar o medo irracional que o povo israelita sente e que é o caldo necessário para um dos governos mais extremistas da história de Israel, com uma política abertamente fascista, se manter no poder.
Aquilo a que assistimos nos territórios ocupados não é ainda a 3.ª Intifada, mas contém elementos muito positivos. Desde logo porque as manifestações e acções de resistência se realizam em todos os territórios ocupados (Margem Ocidental, Jerusalém e Gaza) e também em Israel. Em segundo lugar porque o movimento vem crescendo e as diferentes forças palestinianas estão apoiando esse movimento protagonizado por gerações muito jovens. Numa reunião com todas as facções da OLP e outras forças políticas palestinianas foi-nos dito que a 3.ª Intifada terá de retomar a exigência da primeira: «liberdade e independência» e que só poderá terminar quando esses dois objectivos estiverem alcançados.
O Comité Central da OLP pediu aos palestinianos a trabalhar pela unidade nacional e pela reconciliação política.
Como interpretar este apelo?
É um apelo que não ignora a realidade e as dificuldades mas que contém esperança e tenta responder aos grandes desafios deste momento.
Como foi dito, neste momento Israel fechou todas as portas de negociação. «Não há perspectiva de caminho político negocial porque Israel não quer negociar», disse-nos um alto responsável palestiniano. Os acordos de Oslo estão na origem do bloqueio político porque não há mais cedências possíveis. Então, o que parece ressurgir é uma consciência, que vai buscar força e inspiração às ruas da Palestina e ao movimento de jovens, da necessidade de uma forte unidade que possa fazer frente a um dos momentos mais complexos e difíceis da luta daquele povo e possa desmontar a estratégia de Israel de divisão e separação, desde logo de Gaza e da Margem Ocidental. Daí o comunicado do Comité Central da OLP, a tentativa de convocação do Conselho Nacional Palestiniano, a tentativa de formação de um governo de unidade nacional (com o Hamas a participar nele) e a tentativa de marcação de eleições a terem lugar em todos os territórios palestinianos ocupados. Uma estratégia que olhamos com interesse, que dá de novo visibilidade à OLP como a maior conquista da luta daquele povo, mas que terá de enfrentar o permanente boicote por parte de Israel.
A França propõe-se apresentar uma resolução ao Conselho de Segurança da ONU contra a construção de novas habitações nos colonias ilegais; os EUA mostraram-se contrarios ao «uso excessivo da força» por parte de Israel e anunciaram que o secretário de Estado John Kerry visitará em breve o Médio Oriente.
Que significado podem ter estas posições?
Ir à Palestina e ouvir falar dos EUA é muito elucidativo do seu papel.
Aquilo que ouvimos mais é que não se pode contar com os EUA, porque irão sempre apoiar Israel. Já no que toca à União Europeia e a países como França é possível identificar ainda algumas ilusões, apesar de os tempos se estarem a encarregar de as dissipar. Kerry e a França bem podem falar dos colonos, e do «uso excessivo da força», e até se pode aprovar no Parlamento Europeu medidas que visam identificar produtos vindos dos colonatos, elemento positivo. Mas isso é uma gota de água. O que os palestinianos pedem é muito simples: fim da ocupação, um Estado, livre, independente e viável com as fronteiras de 1967 e com Jerusalém Leste como sua capital. Ou seja, que se cumpra as Resoluções das Nações Unidas, o Direito Internacional. Os palestinianos já fizeram todas as cedências possíveis. Sofrem há 40 anos. Falar de «uso excessivo da força» ou centrar as críticas apenas nos colonatos é um insulto para aquele povo, é uma hipocrisia. A ocupação por colonos existem porque existe uma política de ocupação. Como nos foi dito em todas as reuniões, sem excepção, o que os palestinianos precisam é de duas coisas fundamentais: 1 – protecção internacional, porque a potência ocupante é poderosa e agride um povo que não tem um exército; 2 – uma posição clara da «comunidade internacional» que defenda esta ideia simples: «fim da ocupação».
Estiveste em Israel, a convite do Partido Comunista israelita, para contactos e reuniões, nomeadamente no Parlamento Israelita (Knesset).
Qual o balanço desses encontros?
Visitámos o Knesset no dia em que a «Joint List» [frente parlamentar integrada pelo Haddash (Frente política liderada pelo Partido Comunista de Israel) e por várias outras forças políticas árabes progressistas e mesmo «liberais»] tinha apresentado uma moção de censura ao governo de Benjamim Netanyahu e tivemos a oportunidade de ver como é violento o embate político com as forças da direita, extrema direita e do chamado «campo sionista».
O PC de Israel em particular trava um importante combate institucional pela paz e os direitos do povo palestiniano mas também em defesa dos interesses de classe do povo trabalhador de Israel. Também visitámos Nazareth no dia em que se realizava uma greve com incidência particular no Norte onde se concentra o povo palestiniano que vive nos territórios ocupados depois de 1948. Uma greve de solidariedade com o povo dos territórios ocupados e contra a repressão das manifestações em Israel. Estes dois factos ilustram como a luta pela paz e pelos direitos do povo da Palestina não conhece fronteiras e derruba os muros. Reunimos ainda com vários movimentos da paz «mistos», compostos por cidadãos árabes e judeus, bem como outros movimentos como o movimento dos objectores de consciência e dos militares que se recusam a servir nos territórios ocupados e que são sujeitos a penas de prisão de, em média, seis meses. Estes movimentos desenvolvem uma importantíssima acção de cariz político mas também psicológico, fazendo frente à política de ódio e de medo emanada dos sectores sionistas e fascistas que controlam o poder político em Israel. Tentam provar pela prática que árabes e judeus podem conviver em paz e inclusive construir em conjunto o futuro daquela região. Fazem-no sujeitos a vários perigos, restrições e perseguições, pois o que o poder sionista mais teme é a unidade dos dois povos em busca de caminhos de paz e convivência pacífica.
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