No incio da Gestão Haddad, o Diretório Zonal do PT de Santana escreveu um documento sobre as suas intenções para com o governo recém iniciado.
A inspiração para a elaboração do texto se encontrou neste belo poema escrito ha 80 anos por Mario de Andrade, quando o mesmo se entregou a meditar sobre o Rio Tiete, admirando-o do alto da Ponte das Bandeiras, durante os anos de 1944 e 1945.
O Poeta se foi, mas o rio e a poesia ficaram...
O Rio ficou sim...
Mesmo emparedado pelo neoliberalismo tacanho, certamente bem pronunciado na Ode escrita por Mario de Andrade:
Eu me reverto às tuas águas espessas de infâmias,
Oliosas, eu, voluntariamente, sofregamente, sujado
De infâmias, egoísmos e traições. E as minhas vozes,
Perdidas do seu tenor, rosnam pesadas e oliosas,
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
Humano corrupto dá vida e é aplaudido mugido.
O DOCUMENTO PETISTA, EM SUAS LINHAS FINAIS, PROMETIA FAZER O GOVERNO HADDAD INUNDAR AS REGIÕES MAIS CARENTES DA ZONA NORTE COM PRESENÇA, SERVIÇOS E REALIZAÇÕES JAMAIS DESFRUTADAS POR ESSES RECANTOS.
Inspirados na coragem, na solidariedade e na teimosia Paulista do Rio Tiete, que corre em sentido contrario ao da natureza fluvial e que segue em frente, abrindo mão de um preguiçoso descanso na praia e das delicias de um banho de mar oceânico, do mesmo modo, devemos também distribuir nossas águas para o Povo sedento na terra dos homens...
Água do meu Tietê,
Onde me quer levar?
- Rio que entras pela terra
E que me afastas do mar...
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite de tão vasta
O peito do rio, que é como si a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres do meu coração exausto. De repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e
ruas,
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam
Agora, arranha-céus valentes donde saltam
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
Humano corrupto dá vida e é aplaudido mugido.
EEE palmas falsos Hideaway. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de
morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
É um rumor de germes insalubres pela noite insone e
humana.
Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
E te afastas do mar e te adentras na terra dos
homens,
Onde me quer levar? ...
Por que me proíbes assim praias e mar, por que
Me impedes a fama das tempestades do Atlântico
E os lindos versos que falam em partir e nunca mais
voltar?
Rio que fazes terra, húmus da terra, bicho da terra,
Me induzindo com a tua insistência turrona paulista
Para as tempestades humanas da vida, rio, meu
rio!...
Já nada me amarga mais a recusa da vitória
Do indivíduo, e de me sentir feliz em mim.
Eu mesmo desisti dessa felicidade deslumbrante,
E fui por tuas águas levado,
A me reconciliar com a dor humana pertinaz,
E a me purificar no barro dos sofrimentos dos
homens.
Eu que decido. E eu mesmo me reconstituí árduo na
dor
Por minhas mãos, por minhas desvividas mãos, por
Estas minhas próprias mãos que me traem,
Me desgastaram e me dispersaram por todos os
descaminhos,
Fazendo de mim uma trama onde a aranha insaciada
Se perdeu em cisco e polem, cadáveres e verdades e
ilusões.
Mas porém, rio, meu rio, de cujas águas eu nasci,
Eu nem tenho direito mais de ser melancólico e
frágil,
Nem de me estrelar nas volúpias inúteis da lágrima!
Eu me reverto às tuas águas espessas de infâmias,
Oliosas, eu, voluntariamente, sofregamente, sujado
De infâmias, egoísmos e traições. E as minhas vozes,
Perdidas do seu tenor, rosnam pesadas e oliosas,
Terra Varando não surpreso em dois mil futuros,
À espera angustiada do ponto. Não do meu ponto final!
Eu desisiti! Mas do ponto entre as águas e a noite,
Daquele ponto leal à terrestre pergunta do homem,
De que o homem há de nascer.
Eu vejo; não é por mim, o meu verso tomando
As cordas oscilantes da serpente, rio.
Toda a graça, todo o prazer da vida se acabou.
Nas tuas águas eu contemplo o Boi Paciência
Se afogando, que o peito das águas tudo soverteu.
Contágios, tradições, brancuras e notícias,
Mudo, esquivo, dentro da noite, o peito das águas,
fechado, mudo,
Mudo e vivo, no despeito estrídulo que me fustiga e
devora.
Destino, predestinações... meu destino. Estas águas
Do meu Tietê são abjetas e barrentas,
Dão febre, dão morte decerto, e dão garças e
antíteses.
Nem as ondas das suas praias cantam, e no fundo
Das manhãs elas dão gargalhadas frenéticas,
Silvos de tocaia e lamurientos jacarés.
Isto não são águas que se beba, conhecido, isto são
Águas do vício da terra. Os jabirus e os socós
Gargalham depois morrem. E as antas e os
bandeirantes e os ingás,
Depois morrem. Sobra não. Nem siquer o Boi Paciência
Se muda não. Vai tudo ficar na mesma, mas vai!... e
os corpos
Podres envenenam estas águas completas no bem e no
mal.
Isto não são águas que se beba, conhecido! Estas
águas
São malditas e dão morte, eu descobri! e é por isso
Que elas se afastam dos oceanos e induzem à terra
dos homens,
Paspalhonas. Isto não são água que se beba, eu
descobri!
E o meu peito das águas se esborrifa, ventarrão vem,
se encapela
Engruvinhado de dor que não se suporta mais.
Me sinto o pai Tietê! ôh força dos meus sovacos!
Cio de amor que me impede, que destrói e fecunda!
Nordeste de impaciente amor sem metáforas,
Ele está horrorizado e sentir-se enraivece
Demagogicamente tão sozinho! Ô força!
Incêndio de amor estrondante, enchente magnânima que
me inunda,
Destroça me assusta e eu, sentindo-se impotente para-me
Demagogicamente tão só!
A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua
Si as tuas águas estão podres de fel
E majestade falsa? A culpa é tua
Onde estão os amigos? Onde estão os inimigos?
Onde estão os pardais? e os teus estudiosos e
sábios, e
Você analfabeto?
Onde o teu povo? e as mulheres! dona Hircenuhdis
Quiroga!
E os Prados e os crespos e os pratos e
os barbas e os gatos e os línguas
Do Instituto Histórico e Geográfico, e os museus e a
Cúria,
e os senhores chantres reverendíssimos,
Celso niil estate varíolas gide memoriam,
Calípedes flogísticos e a Confraria Brasiliense e
Clima
E os jornalistas e os trustkistas e a Light e as
Novas ruas abertas e a falta de habitações e
Os mercados?... E a tiradeira divina de Cristo!...
Tu és Demagogia. A própria vida abstrata tem
vergonha
De ti em tua ambição fumarenta.
És demagogia em teu coração insubmisso.
És demagogia em teu desequilíbrio anticéptico
E antiuniversitário.
Demagogia. Demagogia pura.
Demagogia pura. Mesmo alimpada de metáforas.
Mesmo irrespirável de furor na fala reles:
Demagogia.
Tu és enquanto tudo é eternidade e malvasia:
Demagogia.
Tu és em meio à (crase) gente pia:
Demagogia.
És tu jocoso enquanto o ato gratuito se esvazia:
Demagogia.
És demagogia, ninguém chegue perto!
Nem Alberto, Nem Adalberto Nem Dagoberto
Esperto Ciumento Peripatético e Ceci
E Tancredo e Afrodísio e também Armida
E o próprio Pedro e também Alcibíades,
Ninguém te chegue perto, porque tenhamos o pudor,
O pudor do pudor, sejamos verticais e sutis, bem
Sutis!... E as tuas mãos se emaranham lerdas,
E o Pai Tietê se vai num suspiro educado e sereno,
Porque és demagogia e tudo é demagogia.
Olha os peixes, demagogo incivil! Repete os
carcomidos peixes!
São eles que empurram as águas e as fazem servir de
alimento
Às areias gordas da margem. Olha o peixe dourado
sonoro,
Esse é um presidente, mantém faixa de crachá no
peito,
Acirculado de tubarões que escondendo na fuça
rotunda
O perrepismo dos dentes, se revezam na rota solene
Languidamente presidenciais. Ei-vem o
tubarão-martelo
E o lambari-spitfire. Ei-vem o boto-ministro.
Ei-vem o peixe-boi com as mil mamicas imprudentes,
Perturbado pêlos golfinhos saltitantes e tabaranas
Em zás-trás dos guapos Pêdêcê e Guaporés.
Eis o peixe-baleia entre os peixes muçuns lineares,
E os bagres do lodo oliva e bilhões de peixins
japoneses;
Mas és asnático o peixe-baleia e vai logo encalhar
na margem,
Pois quis engolir a própria margem, confundido pela
facheada,
Peixes aos mil e mil, como se diz, brincabrincando
De dirigir a corrente com ares de salva-vidas.
E lá vem por debaixo e por de-banda os
interrogativos peixes
Internacionais, uns rubicundos sustentados de mosca,
E os espadartes a trote chique, esses são
espadartes! e as duas
Semanas Santas se insultam e odeiam, na lufa-lufa de
ganhar
No bicho o corpo do crucificado. Mas as águas,
As águas choram baixas num murmúrio lívido, e se
difundem
Tecidas de peixe e abandono, na mais incompetente
solidão.
Vamos, Demagogia! eia! sus! aceita o ventre e
investe!
Berra de amor humano sem arrependimento,
Cega, sem lágrimas, ignara, colérica, investe!
Um dia hás de ter razão contra a ciência e a
realidade,
E contra os fariseus e as lontras luzidias.
E contra os guarás e os elogiados. E contra todos os
peixes.
E também os mariscos, as ostras e os trairões fartos
de equilíbrio e
Pundhonor.
Pum d'honra.
Ou Juvenilidades Auriverdes-like!
Eu tenho medo... Meu coração está pequeno, é tanta
Essa demagogia, é tamanha,
Que eu tenho medo de abraçar os inimigos,
Em busca apenas dum sabor,
Em busca dum olhar,
Um sabor, um olhar, uma certeza...
É noite... Rio! meu rio! meu Tietê!
É noite muito!... As formas... Eu busco em vão as
formas
Que me ancorem num porto seguro na terra dos homens.
É noite e tudo é noite. O rio tristemente
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
Água noturna, noite líquida... Augúrios mornos
afogam
As altas torres do meu exausto coração.
Me sinto esvair no apagado murmulho das águas
Meu pensamento quer pensar, flor, meu peito
Quereria sofrer, talvez (sem metáforas) uma dor
irritada...
Mas tudo se desfaz num choro de agonia
Plácida. Não tem formas nessa noite, e o rio
Recolhe mais esta luz, vibra, reflete, se aclara,
refulge,
E me larga desarmado nos transes da enorme cidade.
Si todos esses dinossauros imponentes de luxo e
diamante,
Vorazes de genealogia e de arcanos,
Quisessem reconquistar o passado...
Eu me vejo sozinho, arrastando sem músculo
A cauda do pavão e mil olhos de séculos,
Sobretudo os vinte séculos de anticristianismo
Da por todos chamada Civilização Cristã...
Olhos que me intrigam, olhos que me denunciam,
Da cauda do pavão, tão pesada e ilusória.
Não posso continuar mais, não tenho, porque os
homens
Não querem me ajudar no meu caminho.
Então a cauda se abriria orgulhosa e reflorescente
De luzes inimagináveis e certezas...
Eu não seria tão-somente o peso deste meu
desconsolo,
A lepra do meu castigo queimando nesta epiderme
Que encurta, me encerra e me inutiliza na noite,
Me revertendo minúsculo à advertência do meu rio.
Escuto o rio. Assunto estes balouços em que o rio
Murmura num banzeiro. E contemplo
Como apenas se movimenta escravizada a torrente,
E rola a multidão. Cada onda que abrolha
E se mistura no rolar fatigado é uma dor. E o surto
Mirim dum crime impune.
Vêm de trás o estirão. É tão soluçante e tão longo,
E lá na curva do rio vêm outros estirões e mais
outros,
E lá na frente são outros, todos soluçantes e presos
Por curvas que serão sempre apenas as curvas do rio.
Há de todos os assombros, de todas as purezas e
martírios
Nesse rolo torvo das águas. Meu Deus! meu
Rio! como é possível a torpeza da enchente dos
homens!
Quem pode compreender o escravo macho
E multimilenar que escorre e sofre, e mandado
escorre
Entre injustiça e impiedade, estreitado
Nas margens e nas areias das praias sequiosas?
Elas bebem e bebem. Não se fartam, deixando com
desespero
Que o rosto do galé aquoso ultrapasse esse dia,
Pra ser represado e bebido pelas outras areias
Das praias adiante, que também dominam, aprisionam e
mandam
A trágica sina do rolo das águas, e dirigem
O leito impassível da injustiça e da impiedade.
Ondas, a multidão, o rebanho, o rio, meu rio, um rio
Que sobe! Fervilha e sobe! E se adentra fatalizado,
e em vez
De ir se alastrar arejado nas liberdades oceânicas,
Em vez se adentra pela terra escura e ávida dos
homens,
Dando sangue e vida a beber. E a massa líquida
Da multidão onde tudo se esmigalha e se iguala,
Rola pesada e oliosa, e rola num rumor surdo,
E rola mansa, amansada imensa eterna, mas
No eterno imenso rígido canal da estulta dor.
Porque os homens não me escutam! Por que os
governadores
Não me escutam? Por que não me escutam
Os plutocratas e todos os que são chefes e são
fezes?
Todos os donos da vida?
Eu lhes daria o impossível e lhes daria o segredo,
Eu lhes dava tudo aquilo que fica pra cá do grito
Metálico dos números, e tudo
O que está além da insinuação cruenta da posse.
E si acaso eles protestassem, que não! que não
desejam
A borboleta translúcida da humana vida, porque
preferem
O retrato a ólio das inaugurações espontâneas,
Com béstias de operário e do oficial, imediatamente
inferior.
E palminhas, e mais os sorrisos das máscaras e a
profunda comoção,
Pois não! Melhor que isso eu lhes dava uma
felicidade deslumbrante
De que eu consegui me despojar porque tudo
sacrifiquei.
Sejamos generosíssimos. E enquanto os chefes e as
fezes
De mamadeira ficassem na creche de laca e lacinhos,
Ingênuos brincando de felicidade deslumbrante:
Nós nos iríamos de camisa aberta ao peito,
Descendo verdadeiros ao léu da corrente do rio,
Entrando na terra dos homens ao coro das quatro
estações.
Pois que mais uma vez eu me aniquilo sem reserva,
E me estilhaço nas fagulhas eternamente esquecidas,
E me salvo no eternamente esquecido fogo de amor...
Eu estalo de amor e sou só amor arrebatado
Ao fogo irrefletido do amor.
...eu já amei sozinho comigo; eu já cultivei também
O amor do amor, Maria!
E a carne plena da amante, e o susto vário
Da amiga, e a inconfidência do amigo... Eu já amei
Contigo, Irmão Pequeno, no exílio da preguiça
elevada, escolhido
Pelas águas do túrbido rio do Amazonas, meu outro
sinal.
E também, ôh também! na mais impávida glória
Descobridora da minha inconstância e aventura,
Desque me fiz poeta e fui trezentos, eu amei
Todos os homens, odiei a guerra, salvei a paz!
E eu não sabia! eu bailo de ignorâncias inventivas,
E a minha sabedoria vem das fontes que eu não sei!
Quem move meu braço? quem beija por minha boca?
Quem sofre e se gasta pelo meu renascido coração?
Quem? sinão o incêndio nascituro do amor?...
Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,
Bardo mestiço, e o meu verso vence a corda
Da caninana sagrada, e afina com os ventos dos ares,
e enrouquece
Úmido nas espumas da água do meu rio,
E se espatifa em dedilhações brutas do incorpóreo Amor.
Por que os donos da vida não me escutam?
Eu só sei que eu não sei por mim! sabem por mim as
fontes
Da água, e eu bailo de ignorâncias inventivas.
Meu baile é solto como a dor que range, meu
Baile é tão vário que possui mil sambas insonhados!
Eu converteria o humano crime num baile mais denso
Que estas ondas negras de água pesada e oliosa,
Porque os meus gestos e os meus ritmos nascem
Do incêndio puro do amor... Repetição. Primeira voz
sabida, o Verbo.
Primeiro troco. Primeiro dinheiro vendido. Repetição
logo ignorada.
Como é possível que o amor se mostre impotente assim
Ante o ouro pelo qual o sacrificam os homens,
Trocando a primavera que brinca na face das terras
Pelo outro tesouro que dorme no fundo baboso do rio!
É noite! é noite!... E tudo é noite! E os meus olhos
são noite!
Eu não enxergo siquer as barcaças na noite.
Só a enorme cidade. E a cidade me chama e pulveriza,
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