O Grupo de Trabalho da CUT e as demais centrais sindicais que compuseram o Coletivo Sindical de Apoio da Comissão Nacional da Verdade “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, entregou em novembro/2014, 43 propostas, dividas em cinco capítulos para o relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Esse Grupo de Trabalho foi oficialmente instalado em abril 2013 com a responsabilidade de investigar casos de violência, tortura, desaparecimentos e assassinatos cometidos contra a classe trabalhadora durante o regime militar (1964-1985).
No próximo dia 10 de dezembro a Comissão Nacional da Verdade apresentará o seu relatório final e as recomendações que devem ser seguidas pelo Estado brasileiro para que ditaduras nunca mais aconteçam. Conheça a seguir as propostas de recomendações dos trabalhadores, entre estas algumas dedicadas à organização de documentos, acesso à informação e à preservação da memória.
Proposta de Recomendações GT dos Trabalhadores da CNV
DOS CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
1. Reconhecer e acatar as normas do direito internacional sobre crimes contra a humanidade. Ratificação da Convenção sobre imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) por meio da Resolução No 2.391, de 26 de novembro de 1968;
2. Supressão do disposto no § 1º do artigo 1º da Lei no 6.683/79, que concedeu anistia aos agentes públicos, ou não, responsáveis por crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura civil-militar, para que estes possam ser punidos.
3. Investigar, denunciar e punir os autores dos crimes de morte, tortura e desaparecimento forçado das vítimas do golpe e da ditadura civil-militar.
4. Cumprir a Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79), no que concerne à contagem do tempo de serviço, para o anistiado afastado do trabalho ou o desempregado devido à perseguição política. Esta recomendação é dirigida principalmente ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social);
5. Investigar, denunciar e punir empresários, bem como empresas privadas e estatais, que participaram material, financeira e ideologicamente para a estruturação e consolidação do golpe e do regime militar;
6. Instituir um fundo, mantido por meio de multas e punições pecuniárias provenientes de empresas públicas e privadas que patrocinaram o golpe e a ditadura subsequente, para a reparação dos danos causados aos trabalhadores, organizações sindicais e ao patrimônio público;
7. Criar instrumentos que viabilizem ações coletivas de grupos de trabalhadores que sofreram prejuízos em decorrência da repressão política da ditadura civil-militar, sem a exigência de comprovação individual da perseguição sofrida;
8. Ampliar e intensificar os esforços para localização dos restos mortais dos desaparecidos políticos, assim como dos locais destinados a torturas e assassinatos de opositores da ditadura civil-militar;
9. Promover rigorosa apuração dos casos de massacres de trabalhadores e trabalhadoras durante o regime militar e que ainda carecem de profundas e cabais investigações, como, por exemplo, Serra Pelada (PA), Volta Redonda (RJ), Ipatinga (MG), Morro Velho (MG), bombardeio do povoado de Sampaio (TO), entre outros passíveis de serem investigados;
10.Garantir políticas públicas para eliminar a prática de tortura e de todas as formas de tratamentos cruéis e degradantes, inclusive desenvolvendo campanhas de conscientização;
11. Reconhecer oficialmente como perseguidos políticos e conceder reparações aos/às trabalhadores/as e seus/as apoiadores/as, assassinados/as e desaparecidos/as, em função da repressão política e social no campo e que foram excluídos da Justiça de Transição;
12. Revisar a Lei que criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei nº 9.140/95) e as duas leis relacionadas promulgadas posteriormente, com reabertura de prazo indeterminado para a entrada de requerimentos com pedidos de reconhecimento e reparação;
13. Prover os meios para a execução de sentenças de reparação e pleno funcionamento da Comissão de Anistia e outros órgãos voltados à promoção dos Direitos Humanos com recursos para o seu pleno funcionamento;
14. Criar um organismo permanente, com representação dos trabalhadores/as e da sociedade civil, de maneira geral, objetivando dar continuidade à pesquisa e apuração das denúncias de graves violações dos direitos humanos;
15. Repudiar a participação e sustentação do golpe civil-militar por governos estrangeiros, especialmente o estadunidense e seus agentes no país, além de institutos sindicais e outros mecanismos de controle ideológico. Exigir a retratação, indenização e pedido de desculpas;
16. Fazer um levantamento, a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, de todas as entidades sindicais que sofreram intervenção no período investigado pela Comissão Nacional da Verdade, sendo que o Estado deve enviar oficialmente um pedido de desculpas, abrindo a possibilidade de serem indenizadas pela destruição de seus bens.
DA LEGISLAÇÃO AUTORITÁRIA, ANTIDEMOCRÁTICA E ANTISINDICAL
17. Revogar a Lei de Segurança Nacional;
18. Criar um Grupo de Trabalho Interministerial, com prazo determinado de trabalho, para identificação de legislação antidemocrática, antitrabalhista, antissindical e antissocial, incompatível com o Estado Democrático de Direito, para que sejam suprimidas;
19. Revogar artigos do Código Penal que atentam contra o direito de greve, em especial os artigos 197 a 203;
20. Revogar a legislação autoritária imposta pela ditadura, em especial a lei de imprensa de 1967, e democratizar os meios de comunicação.
21. Impulsionar a Reforma do Judiciário com a extinção da Justiça Militar; 2
22. Promover a democratização dos critérios de seleção do concurso de ingresso na Magistratura e no Ministério Público, nos moldes da lei No. 12.990/14, a qual prevê cotas nos concursos públicos federais para provimentos de cargos.
23. Reforçar a implementação e as diretrizes previstas no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), desenvolvendo políticas públicas efetivamente inclusivas, com equidade e respeito à diversidade;
24. Acelerar, priorizar e instituir políticas de incentivo para a criação de Secretarias de Direitos Humanos nos níveis estadual e municipal.
DA SEGURANÇA PÚBLICA, DA ORGANIZAÇÃO POLICIAL E DAS FORÇAS ARMADAS
25. Ampliar o controle do Estado sobre as polícias, incluindo a participação da sociedade, visando a aplicação do conceito de segurança cidadã;
26. Democratizar o ensino e o conteúdo curricular nas escolas públicas e privadas, visando promover os valores democráticos e os Direitos Humanos, incluindo nos currículos escolares a educação para a organização sindical e social;
27. Democratizar o ensino e o conteúdo curricular das academias militares e policiais, visando promover os valores democráticos e o respeito aos Direitos Humanos;
28. Implantar programas de formação em Direitos Humanos dirigidos a todos os setores hierárquicos das Forças Armadas e das Polícias, das Guardas Municipais, dos agentes penitenciários e da vigilância privada em suas respectivas esferas;
29. Encaminhar Projeto de Lei ao Congresso Nacional para desmilitarizar as Polícias Militares e revogar o Decreto-Lei nº 667 de 1969 que estabeleceu que se tornassem "forças auxiliares, reserva do Exército";
30. Impedir que agências de informações públicas e privadas, bem como órgãos das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Militar e das empresas de vigilância privada, exercitem qualquer tipo de monitoramento e acompanhamento das ações do movimento sindical de trabalhadores e dos movimentos sociais;
31. Acabar com os mecanismos de transferências das funções/atividades eminentemente civis para militares. A crescente militarização da fiscalização pública, por exemplo, tem gerado violência e morte de trabalhadores e trabalhadoras;
32. Criar uma certificação em Direitos Humanos para as empresas que prestam serviço de segurança privada.
GARANTIA E PRIORIZAÇÃO DE RECURSOS PARA POLÍTICA DE ARQUIVO E DE MEMÓRIA
33. Elaborar política pública de resgate da memória de luta dos/as trabalhadores/as que garanta a reparação histórica, somando-se à reparação econômica, sob responsabilidade do Estado e das empresas envolvidas com a repressão;
34. Implementar políticas de arquivos, documentação e memória que promovam a defesa dos Direitos Humanos. Identificar e recolher ao Arquivo Nacional os arquivos e documentos produzidos por organismos públicos federais em todas as esferas, inclusive de empresas estatais, que possam servir de prova da repressão do Estado contra os/as trabalhadores/as e a população brasileira no período ditatorial;
35. Identificar e considerar de interesse público e social, nos termos da Lei de Arquivos nº 8.159/91, os arquivos privados das empresas, das Forças Armadas e de pessoas que possam servir como prova do apoio às ações de repressão e de perseguição praticadas contra os/as trabalhadores/as e a população no período ditatorial;
36. Identificar, preservar, fazer o tombamento, desapropriar, se for bem privado, e transformar em Centro de Memória, todos os imóveis urbanos e rurais que foram centros de graves violações dos Direitos Humanos;
37. Assegurar o pleno direito de acesso à informação conforme previsto na Lei nº 12.527/2011, sendo que, para atingir essa finalidade, deve-se: a) Desenvolver uma política de gestão documental, nos termos do parágrafo 2º, artigo 216 da Constituição Federal e da Lei de Arquivos nº 8.159/91; b) Integrar os documentos digitais na política de gestão documental, visando assegurar o controle na produção, arquivamento e acesso; c) Criar o Arquivo Nacional dos Meios Eletrônicos e Digitais como um órgão voltado à elaboração de políticas de gestão, à preservação de longo prazo e ao acesso contínuo e d) Criar um sistema nacional integrado que registre e gerencie os pedidos de acesso à informação. A coordenação do sistema deve ser feita pelo Arquivo Nacional;
38. Criar políticas públicas de apoio ao desenvolvimento e aprofundamento das pesquisas referentes à perseguição política aos trabalhadores/as e às suas organizações;
39. Criar política oficial de fomento que permita parcerias com universidades e institutos de pesquisa, com a finalidade da busca da verdade e da preservação da memória coletiva das violações e perseguições sofridas pelos trabalhadores e suas organizações, bem como criar e manter Museus e/ou Centros de Documentação de memória e luta dos trabalhadores;
40. Alterar nomes de cidades, escolas e de outros locais públicos que homenageiam agentes e símbolos da ditadura civil-militar, com a contribuição de um programa federal que promova políticas públicas de ensino e memória das lutas dos trabalhadores/as.
DOS DIREITOS SOCIAIS, TRABALHISTAS E SINDICAIS
41. Ratificar a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, que trata da demissão imotivada, e regulamentar a Convenção 151, que versa sobre a organização sindical e negociação coletiva no setor público;
42. Encaminhar ao Poder Legislativo, com mensagem de apoio do Governo, o anteprojeto de lei apresentado pelas Centrais Sindicais ao Ministério do Trabalho, em 2013, que dispõe sobre a proteção das atividades sindicais dos trabalhadores/as e pune práticas antissindicais. O documento visa a garantia da liberdade e a autonomia sindical, observando os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos no mundo do trabalho, com especial atenção à garantia do direito irrestrito de greve, do direito de representação sindical na forma que a categoria entender e no local de trabalho, assegurar a não intervenção do Estado, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho na negociação coletiva, no exercício do direito de greve, finanças e organização sindical, garantia da estabilidade, fim do interdito proibitório, entre outros.
43. Combater todas as formas de precarização do trabalho, criando e fortalecendo a agenda do Trabalho Decente, além de promover uma maior fiscalização nesse âmbito.
Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da CUT e representante da Central no Grupo de Trabalho, destaca todo o esforço de pesquisa, investigação e resgaste da história encampado pelas entidades integrantes do GT a partir de uma série de ações organizadas por todo o País.
“A existência de um grupo específico que aprofundasse as investigações sobre crimes contra classe trabalhadora e o movimento sindical foi uma vitória particular da CUT, já que sua criação nasceu de uma reivindicação apresentada pela própria Central durante reunião com a presidenta Dilma”, recordou.
O dirigente relata que há uma grande expectativa em torno dos resultados que serão apresentados pela Comissão Nacional da Verdade. O relatório final deverá ser entregue à presidenta Dilma Rousseff em solenidade na próxima quarta (10). “As investigações comprovam que de fato ocorreram crimes de lesa-humanidade, com nome e sobrenome de quem os cometeu. Esses agentes devem ser punidos para que isso nunca mais aconteça.”
Conforme as recomendações apresentadas pelos trabalhadores, destaque para a ‘supressão do disposto no § 1º do artigo 1º da Lei no 6.683/79, que concedeu anistia aos agentes públicos, ou não, responsáveis por crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura civil-militar, para que estes possam ser punidos.’
Solaney esclarece que a revisão da Lei da Anistia é fundamental para quebrar a coluna vertebral da impunidade. “Temos esse entrave do ponto de vista da legislação, mas a CNV já tem acordo com a necessidade de revisão da Lei mudando o conceito de autoanistia aos militares”, disse. “Ninguém é revanchista ou quer fazer punição com as próprias mãos, mas esperamos que o relatório final da CNV trace o caminho para uma denúncia consistente no Ministério Público e se instale um processo que possa julgar os responsáveis por esses crimes.”
O Ato Sindical Unitário contará com a presença da advogada Rosa Cardoso, uma das integrantes da CNV e coordenadora do Grupo dos Trabalhadores, que fará a apresentação das recomendações do GT e do relatório sobre os crimes contra os/as trabalhadores/as e o movimento sindical.
Haverá também uma homenagem à ex-integrantes da executiva do CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e um diálogo com o Ministério Público para encaminhamento de providências sobre as violações contra os trabalhadores a partir da presença da dr. Eugênia Gonzaga, procuradora regional da República e presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Solaney também informou que a Comissão Nacional de Memória, Verdade e Justiça da CUT tem reunião marcada para o próximo dia 11, cujo propósito é finalizar o relatório a ser apresentado durante o Congresso da entidade marcado para o segundo semestre de 2015.
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