Flint, Michigan:
o preço da austeridade e
da ganância capitalista
Na cidade norte-americana de Flint, no Estado norte-americano do Michigan, a água que sai da torneira é veneno.
Entre 2014 e a declaração do estado de emergência, no início deste mês, pelo menos 12 mil pessoas revelaram sintomas de envenenamento por chumbo e outras dez terão perdido a vida. As sequelas da ingestão de água contaminada com chumbo, a que as crianças são especialmente vulneráveis, incluem doenças mentais e reprodutivas irreversíveis.
A crise teve início com a decisão de deixar de comprar água à rede pública de Detroit e começar a abastecer a cidade directamente do rio Flint.
Susan Helman |
Durante quase dois anos, contudo, o governador do Michigan, Rick Snyder, insistiu que as preocupações da população eram infundadas. Defendendo a poupança resultante do novo abastecimento local de água, o governador desdramatizava a cor alaranjada e o cheiro, remetendo garantias para os testes abonatórios conduzidos pela Agência de Protecção Ambiental (EPA, na sigla inglesa). A revelação de que a EPA adulterou esses testes, confirmada na semana passada pela demissão da directora da agência, Susan Helman, transformou Flint na sinistra alegoria da receita do capitalismo neoliberal que vinga nos EUA.
A história da contaminação da água de Flint começa muito a montante da decisão de abastecer a rede pública num rio poluído. Berço do principal sindicato da indústria automóvel dos EUA, Flint chegou a ser a morada de 80 000 operários da General Motors; hoje são menos de 5000.
Nos anos oitenta, as grandes fábricas foram fazendo a trouxa para se mudaram para outros estados e outros países «mais competitivos». Os sucessivos governadores do Michigan, democratas e republicanos, procuraram seduzir o capital com benefícios fiscais para as grandes empresas e cortes na despesa pública.
Um sistema venenoso! Esta política teve um duplo efeito perverso: não só Flint se transformou numa das cidades mais pobres dos EUA, com 42 por cento da população abaixo no limiar da pobreza, como, por outro lado, o capital continuou o processo de desindustrialização, exigindo sempre pagar menos impostos para não destruir ainda mais empregos. Ao longo dos anos, o insaciável apetite dos capitalistas foi satisfeito sacrificando tudo o que é público, deixando sem manutenção pontes, estradas, escolas, a infra-estrutura eléctrica e a rede de água.
À semelhança de Detroit, também a cidade de Flint foi declarada falida e colocada sob o jugo de um «gestor de emergência», Ed Kurtz. Foi deste gestor não eleito mas com poderes irrestritos que partiu a decisão de poupar cinco milhões de dólares recorrendo ao ácido e poluído rio Flint.
Foi quanto bastou para dissolver o revestimento que protege os velhos canos de chumbo e contaminar a água que milhares de famílias bebem.
Segundo documentos tornados públicos na semana passada, o governador do Michigan sabia que estava envenenando a população. Entretanto, admitiu a culpa e ensaiou um estranho «pedido de desculpas» recusando-se, ainda assim, a apresentar a demissão. Nos emails filtrados pela imprensa, o governador refere-se à contaminação da água como uma «bola de futebol» com que «muitos estados jogam».
Com efeito, crescem as suspeitas de que Flint é apenas a face visível de um crime de proporções nacionais e históricas.
Segundo a insuspeita Fundação Ford, 132 milhões de estado-unidenses, quase metade da população dos EUA, estão expostos ao risco de intoxicação por chumbo e, de acordo com os dados do governo, há centenas de cidades como Flint no Luisiana, Maryland, Massachusetts, Alabama, Rhode Island e vários outros estados.
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