Por meio de decretos de urgência, sem qualquer debate com o Parlamento e a sociedade civil, o presidente argentino Macri modificou toda a estrutura prevista na chamada Lei de Meios, em vigor desde 2009.
Nos primeiros dias de governo, Macri nomeou um interventor para a AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), agência reguladora do país, que fiscaliza a aplicação da lei, e destituiu autoridades que possuíam mandato até 2017.
As primeiras medidas buscaram transferir para o executivo federal o controle das decisões regulatórias sobre os meios. Na reorganização ministerial, o presidente passou por cima da lei (e transferiu para o Ministro de Comunicação poderes que antes eram da AFSCA.
Elogiada pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da OEA (Organização dos Estados Americanos), a agência reguladora foi considerada um dos principais avanços da Lei de Meios, por prever a participação da sociedade civil e a presença da oposição ao governo nas tomadas de decisão sobre o setor.
A Lei de Meios também assegura que o mandato dos membros da entidade não deve coincidir com os mandatos presidenciais. Os atuais iriam até o final de 2017, mas Macri destituiu por decreto o diretor do órgão, Martín Sabbatella.
De acordo com a lei, a remoção de um membro da AFSCA deveria ser aprovada por dois terços dos integrantes do Conselho Federal de Comunicação Audiovisual, somente em caso de descumprimento da função. Na véspera do Natal, a entidade foi cercada por autoridades policiais e os servidores foram obrigados a desocupar o prédio.
No dia 30 de dezembro, por meio de outro decreto, o órgão regulador do audiovisual, assim como a agência de telecomunicações (AFTIC), foram dissolvidos e Macri criou uma nova agência, chamada Enacom (Ente Nacional de Comunicaciones), sob total controle do Executivo, comandada pelo macrista Miguel De Godoy, sem qualquer participação social.
O último ataque foi dado na 04/01/2016, quando um novo decreto modificou profundamente o conteúdo da Lei de Meios. Alterações no texto reduziram os mecanismos de combate à concentração, flexibilizando os limites de propriedade, ampliando a quantidade de licenças permitidas para cada empresa e acabando com a principal restrição à monopolização no setor: o alcance de, no máximo, 35% da população por um mesmo grupo midiático.
O novo decreto ainda garante ao presidente da República a possibilidade de destituir, sem motivos, qualquer membro da nova entidade de regulação.
Retrocessos para o direito à comunicação
Os argumentos utilizados por Macri para tamanha intervenção no setor estão alinhados com os interesses e os discursos dos grandes conglomerados midiáticos do país, sobretudo do Grupo Clarín – a Globo local.
Na opinião do chefe de gabinete do novo Presidente, é necessário acabar com os limites à concentração de propriedade dos meios para garantir mais investimentos e mais concorrência – quando, sabe-se, a tendência é exatamente a oposta: num mercado desregulado, como quer Macri, os oligopólios ganham força e a concorrência diminui.
Outro argumento empregado pelo novo governo é um velho conhecido da imprensa local: o de que a Lei de Meios representaria uma guerra contra o jornalismo livre e a favor da censura. A novidade, agora, é acusar a lei de tecnologicamente ultrapassada, por regular apenas o rádio e a TV. Para o professor Martín Becerra, da Universidade Nacional de Quilmes, tal discurso esconde o interesse de derrubar obstáculos legais para os principais grupos empresariais se expandirem.
Nesta segunda-feira (11/01) uma juíza federal de San Martín e um juiz federal de Buenos Aires ordenaram medidas cautelares interinas e deixaram sem efeito os decretos do presidente argentino, Mauricio Macri, mediante os quais se deram a intervenção na Afsca (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), a dissolução de sua direção e da própria agência e a modificação das cláusulas antimonopólio da Lei de Meios argentina.
Os dois juízes aceitaram os recursos apresentados por uma cooperativa de comunicação popular e por uma associação de defesa dos direitos do consumidor na Justiça argentina contra os decretos do presidente que miravam a modificação do marco legislatório que regula os meios de comunicação no país.
“De acordo com o disposto pelos juízes Iván Garbarino [de Buenos Aires] e Martina Forns [de San Martín], a Afsca volta a se integrar com o diretório plural presidido por Martín Sabatella, todos os demitidos pela intervenção voltam a seus postos de trabalho, ficam sem efeito todas as medidas tomadas pela intervenção ilegal, se dissolve o Enacom e se retira tudo o que foi disposto pelo interventor Miguel de Godoy”, explicou o diretor nacional de Assuntos Jurídicos e Regulatórios da Afsca, Sergio Zurano.
Em 23 de dezembro, Macri publicou um decreto determinando intervenção estatal de 180 dias para retirar Martín Sabbatella, presidente da Afsca com mandato previsto até 2017, do comando da agência. Miguel de Gogoy, antigo colaborador de Macri e ex-secretário de Meios da Prefeitura de Buenos Aires, foi nomeado interventor no MUNDIALórgão. No dia 04 de janeiro, foi publicado o decreto de Macri que dissolveu a Afsca e a Aftic (Autoridade Federal de Tecnologias da Informação e das Comunicações) e as fundiu no recém-criado Ente Nacional de Comunicações (Enacom), sob o comando do Ministério das Comunicações, além de ter estabelecido mudanças na Lei de Meios argentina, aprovada pelo Congresso em 2009.
Em sua sentença, o juiz federal Iván Garbarino considerou que “não se vislumbram defeitos na lei 26.522 [Lei de Meios] que requerem uma necessária e urgente reparação que não admita a espera de alcançar o consenso e a maioria necessárias que nossa Constituição estabelece para a conversão em lei das modificações pretendidas pelo Poder Executivo nacional.”
O juiz afirmou também que o estabelecimento da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, comumente conhecida como Lei de Meios, “foi objeto de um largo debate legislativo e de um profundo estudo judicial”, recordando a série de audiências publicas, debates legislativos e posteriores alterações judiciais que culminaram na sentença da Suprema Corte argentina que considerou a lei constitucional.
Para o juiz, “a modificação normativa pode contribuir à formação de monopólios e oligopólios” no mercado de comunicações argentino, além de ser suscetível a “alterar e/ou afetar os direitos à liberdade de expressão e de acesso à informação de diversos usuários e consumidores”.
Já a juíza federal Martina Forns classificou os Decretos de Necessidade e Urgência (DNU) de Macri como medidas “de caráter arbitrário”. “Considero que resulta evidente e manifesto que com o ditado dos decretos questionados nas presentes, se avançou sobre as competências do Poder Legislativo e se violentou o artigo 165 da lei [de Meios]”. Segundo a juíza, ao intervir na Afsca o governo de Macri desconsiderou “o procedimento legalmente estabelecido e os mais elementares princípios do processo devido aos diretores depostos”, além de ter ignorado “a participação institucional do Congresso da Nação”.
Fonte: Opera Mundi
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