Num célebre discurso de Janeiro de 1974, o presidente dos EUA, Ronald Reagan descrevia, apoteótico, o futuro do capitalismo: «Vamos ser uma cidade no topo de uma colina. Os olhos de todo o mundo estarão sobre nós (...) os americanos viverão mais do que os cidadãos de qualquer outra nação e a nossa esperança média de vida será a inveja do mundo».
Passados 41 anos sobre a profecia, muitos trabalhadores americanos não estão vivendo mais, mas contrariamente a promessa capitalista, vivem cada vez menos, revela um estudo publicado em setembro de 2015 pelas Academias Nacionais das Ciências, Engenharia e Medicina (NAS). Segundo os investigadores, entre 1980 e 2010, a esperança média de vida dos 30 milhões de homens estado-unidenses mais pobres caiu de 76,6 anos para 71,1. Já para 30 milhões de mulheres da mesma condição, a esperança média de vida caiu, no mesmo período, de 82,3 para 78,3 anos: menos quatro anos de vida. Inversamente, os homens mais ricos do país (1% da população), passaram a viver, em média, mais sete anos, passando de uma esperança de 81,7 para 88,8 anos. Na mesma esteira, a esperança média de vida das mulheres mais ricas registou uma subida de 86,2 para 91,9 anos.
Parto e volta ao trabalho
O aumento da esperança média de vida é um indicador que muitos associam automaticamente ao desenvolvimento natural das ciências e da tecnologia quando, na verdade, de natural não tem nada e de automático menos ainda. Diferentemente, a evolução deste indicador está intrinsecamente ligada ao progresso e retrocesso social das sociedades.
Esta ideia é particularmente visível nos EUA, onde não só os avanços da medicina têm sido crescentemente restringidos a quem os pode pagar, como, por outro lado, quem os pode pagar tem literalmente apropriado de anos de vida dos trabalhadores mais pobres. Os cerca de 60 milhões de trabalhadores estado-unidenses (25% da população) que cada ano vivem menos anos são vítimas dos sucessivos cortes nos planos públicos de assistência médica como oMedicare, o Medicaid ou o Planned Parenthood. Num país onde a saúde é um mero bem transacionável regulado pelo mercado, as mulheres, que recebem em média menos 18 por cento do que os homens, têm um acesso à saúde proporcionalmente inferior. Lembre-se que nos EUA (um entre quatro países do mundo sem licença de maternidade remunerada) 25 por cento das mulheres regressa ao trabalho duas semanas após o parto enquanto sete por cento volta no dia seguinte.
Para onde vão os anos perdidos?
Há uma autêntica transferência de anos de vida da classe explorada para a classe exploradora. Segundo o estudo, a principal causa para os estado-unidenses mais pobres morrerem cada vez mais cedo é o trabalho: demasiadas horas de trabalho causam, só por si, problemas de saúde, mas são também impeditivas de um estilo de vida saudável. Quem trabalha 12 horas por dia não tem tanto tempo para praticar exercício físico, cozinhar refeições variadas, descansar, conviver e cultivar-se. Com efeito, os trabalhadores dos EUA, cuja produtividade aumentou 400 por cento desde 1950, trabalham, hoje em dia, uma média de 47 horas semanais perdendo, em média, meia hora para chegar diariamente ao emprego. Os EUA (aviso aos baba-ovo brasileiros) são o único país industrializado sem limitações à quantidade de horas extraordinárias que um trabalhador pode fazer e também o único onde nunca é obrigatório tirar férias. Os trabalhadores estado-unidenses que gozam férias tiram, em média, somente 13 dias por ano.
A carga de trabalho que está matando os trabalhadores mais pobres é o segredo por detrás do aumento da esperança média de vida dos estado-unidenses mais ricos. É com trabalho explorado que os um por cento mais ricos garantem para si próprios os anos de vida que negam aos 25 por cento mais pobres. No final das contas, a «cidade no topo de uma colina» de que Reagan falava é só uma cobertura privada em Ipanema.
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