Flávio Dino (PC do B) : ‘Todo patriota deve defender a imunização da Petrobras’
Flávio Dino, o governador que derrubou oligarquia dos Sarney no Maranhão, tem posição crítica em relação a questões como a intolerância política, a apuração de casos de corrupção e a defesa dos interesses do país.
Espaço Público recebeu o governador do Maranhão, Flávio Dino na terça-feira, dia 14/04/2015.
O Espaço Público recebeu o primeiro governador eleito da história do PC do B no Brasil, Flávio Dino. No programa, ele fala sobre a trajetória política e dos desafios em assumir a governança de um dos estados com piores índices sociais do Brasil. No Maranhão, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano de 2013, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), somente a metade da população vive em casas com água encanada e banheiro. Para driblar o problema, umas das promessas de campanha do governador eleito foi a criação do programa “Água para todos”. No que diz respeito à educação, segundo o IBGE, o estado tem a segunda maior taxa de analfabetismo do país: 18,76% da população com mais de 10 anos não sabem ler nem escrever, ficando atrás apenas do estado de Alagoas. No primeiro discurso como governador eleito, Dino afirmou: “Vamos fazer um governo bom, simples, com os pés no chão e que vai garantir que nosso estado caminhe na direção correta, enfrentar a corrupção, fazer com que recursos a serviços da justiça social, tirar nosso estado das páginas policiais.” O programa Espaço Público tem apresentação do jornalista Paulo Moreira Leite e tem a participação de Florestan Fernandes Júnior e da repórter da Rede Brasil Atual, Hylda Cavalcanti.
Governador que derrubou oligarquia dos Sarney no Maranhão tem posição crítica em relação a questões como a intolerância política, a apuração de casos de corrupção e a defesa dos interesses do país.
Brasília – Eleito para governar o Maranhão pelo PCdoB com 63% dos votos, o ex-juiz federal e ex-deputado federal Flávio Dino tem chamado a atenção no país por adotar um protagonismo na defesa de questões nacionais que vão além dos problemas do seu estado. Recentemente, Dino destacou a importância de serem taxadas as grandes fortunas, como forma de se fazer com que o ajuste fiscal – em curso pelo Executivo – também tenha impacto sobre os mais abonados "e não apenas o bolso dos trabalhadores", conforme deixou claro. Foi ele, também, o primeiro governador a se posicionar contrário ao pedido pelo impeachment da presidenta, ao capitanear um movimento que contou com a adesão de outros chefes de executivos estaduais da Região Nordeste.
Em relação às denúncias de corrupção na Petrobras, Dino demonstra preocupação com o que chama de “interesses provenientes do mercado” em sabotar a companhia. Alertou, inclusive, para que seja tomado cuidado no sentido de se evitar que a crise não acarrete em prejuízos ainda mais graves para o país. Por esse motivo, ele faz, nesta entrevista, uma conclamação aos brasileiros, quando ressalta que “todo patriota deve, hoje, defender a imunização da Petrobras”.
A entrevista com o governador Flávio Dino foi concedida durante o programa Espaço Público, da TV Brasil, que tem como âncora o jornalista Paulo Moreira Leite, e teve participação do jornalista Florestan Fernandes Júnior e da repórter Hylda Cavalcanti, da Rede Brasil Atual. Leia alguns trechos.
O senhor integra um grupo de governadores que divulgou carta de apoio à presidenta Dilma Rousseff. Como é possível conciliar essa agenda que assume compromisso com as medidas a serem feitas pelo Executivo e também pede por mais investimentos, num período de ajuste fiscal e cortes no orçamento?
Temos o consenso de defender a democracia política. Isso é o que nos une. Somos contra qualquer tentativa golpista. Não há espaço no país para falar em qualquer intervenção militar, tampouco para se falar em impeachment, que é uma sanção para um crime pessoalmente cometido pelo presidente da República, coisa que não acontece. Temos que preservar a estabilidade econômica, a estabilidade da moeda, e compreendemos a necessidade de ajuste fiscal. Mas o mundo é matizado e, nesse universo do chamado ajuste fiscal, há diferenças de ênfase. Por exemplo, estamos colocando um ingrediente na discussão que é a necessidade do ajuste fiscal ser para todos. Não apenas para os mais pobres, mas para aqueles que lucraram no período de bonança econômica, por isso que é preciso regulamentar o imposto sobre grandes fortunas.
A situação política do Brasil, hoje, está marcada pela intolerância e por uma cultura de ódio. Como fortalecer a democracia em nosso país?
As grandes conquistas democráticas do Brasil foram possíveis diante de grandes frentes políticas. Lembro bem do papel gigantesco do Mário Covas na Constituinte. A campanha pelas Diretas também se deu assim. Hoje, nosso principal desafio é abominar o ódio como instrumento de luta política, o que é incompatível com nosso ambiente democrático. Precisamos romper com o sectarismo e construir um ambiente que permita o encontro de contrários. No meu estado fizemos uma frente política que inclui do PT ao PSDB e hoje governamos todos juntos numa plataforma avançada, de reformas sociais. É uma contribuição que acho possível ser dada neste momento. É preciso um diálogo mais amplo pelas forças políticas. Temos espaço para isso no Brasil, porque a sociedade está mostrando que não suporta essa luta nas ruas de forma infinita. As instituições existem justamente para fazer um arbitramento dos conflitos.
Como o senhor avalia os protestos do último dia 12, que tiveram a metade do público observado nas manifestações de março?
Acredito que haverá, agora, um arrefecimento dessas manifestações. Claro que podem voltar em outro momento, dependendo da conjuntura econômica. Particularmente, acho que viveremos um ano difícil na economia, mas teremos uma retomada do crescimento com a manutenção das conquistas sociais, de modo que haja uma paz política que nos conduza até disputas posteriores nas ruas, como é próprio de uma democracia. Não imagino que perdure esse clima de lutas até 2018.
Como o senhor vê a operação Lava Jato, que utiliza a delação premiada para chegar a corruptos e corruptores? O que está acontecendo no Brasil que faz parecer que a Justiça passou a ser seletiva, aplicando tudo para uns e passando em brancas nuvens, para outros?
Não há dúvidas que há circunstâncias que causam enorme perplexidade. Uma prova é o mensalão comparado com o mensalão mineiro. No primeiro caso, houve julgamento, no outro não – e é impossível entender isso. Ninguém consegue explicar. De fato, é preciso assegurar alguns princípios. O primeiro é que todos os casos de corrupção precisam ser apurados e punidos. Todos. Os que se refiram a políticos e ao mundo econômico, ao empresariado, porque é preciso olhar para além da superfície desses escândalos. Há uma promiscuidade entre a política e o poder econômico que está na origem de todos os escândalos de corrupção no Brasil e é preciso ir a fundo nestas relações perversas. O segundo critério que devemos defender é que a lei seja para todos e não haja seletividade, nem na abordagem, nem na priorização dos casos.
Quando falamos em seletividade, observamos também que denúncias da Petrobras que envolvem o PT recebem mais atenção do que as que envolvem o PP. De onde vem essa seletividade? Podemos imaginar que há uma preferência política dos órgãos que fazem a Justiça no Brasil?
Claro que há preferência política, porque são todos humanos. Sempre digo nas minhas palestras que o único juiz neutro que conheço está no cemitério. Para isso que existem as normas, as regras do jogo, para exatamente imunizar o máximo quanto possível, para o processo judicial não virar o rei do arbítrio. O que eu temo é que em razão, exatamente, do crescimento do protagonismo, da visibilidade do Judiciário, acabe havendo uma contaminação, uma ruptura do filtro, porque são sistemas de poder que operam de modo intrincado na sociedade, no subsistema judiciário, político, na mídia, no poder econômico.
Um processo judicial é um conjunto bastante complexo de contradições que se resolvem nos autos naquele momento, então é claro que é preciso ficar muito atento. A impressão que eu tenho, e não me refiro à Lava Jato, porque conheço bastante o juiz Sergio Moro e o acho muito sério, é que essa é uma indagação a ser feita ao conjunto do Poder Judiciário porque é preciso aferir e responder essas questões a partir dos resultados. Na medida em que apenas alguns julgamentos ocorrem e outros não, o resultado alimenta o discurso de que na origem está havendo uma contaminação, uma ruptura dos filtros que garantem que o subsistema Judiciário opere com relativa independência.
Com a crise da Petrobras em função da Lava Jato, não tem sido criada uma situação que vai muito além da Justiça e gera desemprego para muitas pessoas?
Digo até mais que isso: todo patriota deve hoje defender a imunização da Petrobras em relação aos efeitos da crise o máximo quanto possível. A desaceleração da Petrobras impacta o motor da economia brasileira nas últimas seis, sete décadas, porque Petrobras, indústria automobilística, restauração de estradas e rodovias, equivale tudo ao mesmo motor econômico. É uma cadeia produtiva gigantesca, por isso a crise da Petrobras é muito profunda. É indiscutível que foram cometidos crimes gravíssimos e, obviamente, todos os responsáveis devem ser punidos.
Agora, a partir daí você impedir, sabotar a governança de uma empresa, abalar sua credibilidade é algo muito sério. Há um jogo especulativo claro. Há pessoas no mercado que ganham dinheiro, têm interesses, e manipulam os seus interesses a partir da perspectiva de ganhos financeiros imediatos. Temos que olhar para os efeitos sociais profundos disso e observar a geopolítica do mundo, em que os grandes conflitos mundiais são derivados da disputa por energia. Mao Tse Tung, num dos seus textos, alertava para buscar a contradição principal dos problemas. No caso da Petrobras para além desse aspecto grave, dessa crise de credibilidade, há a contradição do interesse da nação, do interesse da preservação da Petrobras, da possibilidade do Pré-Sal derivar todos os dividendos e o daqueles que, por interesses politiqueiros e do mercado, querem sabotar a estatal.
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