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ISLAMOFOBIA GANHA FORÇA NA EUROPA APÓS OS ATENTADOS DA FRANÇA

A hostilidade contra o Islã e os muçulmanos estão intimamente ligadas aos meios de comunicação que retratam o Islã como bárbaro, irracional, primitivos e sexista. Este tipo de aversão ao islamismo vem acontecendo principalmente nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa e em Israel. 


Os pesquisadores europeus Egorova e Tudor salientam que expressões utilizadas massivamente nos meios de comunicação como "terrorismo islâmico", "bombas islâmicas" e "violento Islã" difundem e consolidam uma percepção negativa do Islã.

O cientista político Álvaro Bianchi, da Unicamp, diz que o crescimento do sentimento anti-Islã não é de agora, mas ganhou força após os atentados da França. Para ele, a responsabilidade do aumento do preconceito cai sobre a campanha da extrema-direita europeia e da atitude tímida dos governos diante do problema. 

Partiu do ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, da oposição conservadora, a frase que melhor ilustra o sentimento dos reacionários europeus e dos franceses em particular no atual momento:
— Os homens civilizados devem se unir para responder à barbárie — disse Sarkozy, após reunião de 45 minutos com o atual presidente francês, o socialista François Hollande.
Tal sentimento irá às ruas de Paris neste domingo com o apoio do governo, a "marcha republicana".
— Aguardamos até a Angela Merkel (primeira-ministra da Alemanha), porque temos um problema que deve ser motivo de reflexão para toda a Europa — projeta o deputado socialista francês Eduardo Cypel. Entre os políticos que confirmaram presença nesta marcha estão chefes de estado e de governo de Portugal, da Espanha, Itália, do Reino Unido, da Turquia e Alemanha, e representantes governamentais da Rússia e do Egito, país que mantém uma tensa relação diplomática com a França.
De fato, a Europa vive um dilema. Preocupa-se com o avanço do fundamentalistas islâmicos, mas também teme o anti-islamismo que fere princípios iluministas. O ataque do jornal satírico Charlie Hebdo alimenta movimentos anti-imigração em todo o continente e inflama a "guerra cultural" ilustrada pela confirmação da Corte Europeia dos Direitos Humanos, em julho de 2014, da proibição ao uso da burca (véu islâmico de corpo inteiro), que entrara em vigor na França em 2011.
A França, portanto, é simbólica. Além de ser o berço dos modernos valores republicanos, tem a maior população muçulmana europeia, entre quatro e seis seis milhões de pessoas originárias de diferentes países islâmicos. E teme a brutalização da sociedade, com o fantasma do terrorismo islâmico e com a xenofobia, que subverte sua identidade laica e liberal.
— Precisamos nos unir para enfrentar esse momento brandindo os valores que fazem da França o berço do iluminismo — acrescenta Cypel, que enfatiza, entre esses valores, a aceitação de diferenças.
Levantamento recente constatou que os franceses acreditam que os imigrantes constituem 31% da população, quatro vezes o número real, conforme a estimativa do Centro de Pesquisas Pew, segundo a qual a população muçulmana no país é de 7,5%. Na Alemanha, estudo revela que 57% dos alemães se sentem ameaçados pelo islamismo, o que levou Angela Merkel a declarar, na última quinta-feira, que o país tem boas relações com "a imensa maioria dos muçulmanos".

Thomas Farines, analista de relações internacionais e colaborador do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (Ceiri), falou com ZH ao chegar de Paris — onde houve o atentado ao Charlie Hebdo — a Londres, onde trabalha com crianças em situação de risco no sul da cidade.
— Aqui, o governo britânico está assustado, policiou as ruas. Vivemos um estado de apreensão. Os países da Europa precisam refletir e mudar sua política de integração para os imigrantes. O (jornal) Le Monde mostrou que os autores do atentado contra o Charlie Hebdo começaram com pequenos roubos e deram uma guindada em direção ao extremismo religioso. Na Inglaterra, há bolsões. Se você é brasileiro, mora onde moram brasileiros. As comunidades se fecham. Em uma, tinha um tribunal que julga pela sharia (lei islâmica) — afirma.

A preocupação europeia aumentou ainda mais quando o MI5, serviço de inteligência britânico, revelou que o braço da rede Al-Qaeda na Síria planeja "atentados em grande escala" no Ocidente. E ainda se intensificou quando extremistas islâmicos como os somalis shebab classificaram de "heroico" o atentado ao Charlie Hebdo.

— A Europa precisa repensar as políticas de integração. Isso não ocorre em relação a filhos e netos de imigrantes. O imigrante não é um problema, mas sim como lidamos com isso. Precisamos entender a guinada ao extremismo e integrar as pessoas ao mesmo tempo em que respeitamos suas culturas — diz Farines.

França enfrenta mais um paradoxo histórico

A França, alvo do atentado que fez a Europa tremer nas suas bases, tem histórico de paradoxos: berço do iluminismo, conta com o símbolo da guilhotina. Recebeu imigrantes como poucos
países na Europa, mas foi palco do "caso Dreyfus", escândalo político que a dividiu no final do século XIX, com a condenação por alta traição de Alfred Dreyfus em 1894, oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica. O acusado, comprovadamente inocente, sofreu um processo fraudulento conduzido a portas fechadas, mediante provas fajutas, que levou à exacerbação da xenofobia na época e ao texto clássico J'accuse! (Eu acuso!), de Émile Zola.

Agora, políticos e analistas falam em retomar as origens de igualdade, fraternidade e liberdade, temendo que o combate ao terrorismo ao mesmo tempo implique o aumento do anti-islamismo, preconceito inadequado a esses valores.

Pois há manifestações como o livro do jornalista Eric Zemmour intitulado Le Suicide Français (O Suicídio Francês), o ensaio mais vendido em 2014, segundo o qual a imigração muçulmana em massa está entre os fatores que vêm destruindo os valores seculares franceses. Também há a extrema direita em ascensão e pedindo rigor na repressão. E houve a reação popular: uma mesquita na cidade de Le Mans foi alvo de tiros, e uma explosão destruiu uma lanchonete de quebab ao lado de uma mesquita no centro da cidade de Villefranche-sur-Saône.
Por outro lado, é de 1985 a fundação da organização SOS Racisme, com a campanha "touche pas à mon pote" (não toque no meu amigo) para promover a coexistência pacífica entre os diferentes grupos étnicos e religiosos.


Essa mesma França participa de ataques aéreos no Iraque contra o Estado Islâmico (EI) e acompanhou os aliados ocidentais em diversos confrontos contra organizações e países islâmicos. Nos últimos meses, o próprio EI e a Al-Qaeda convocaram diversas vezes seus partidários a atacar o país.


Cartunista do Charlie Hebdo ironiza onda de solidariedade: "temos muitos amigos novos"


O cartunista holandês Bernard Holtrop, que assina os seus cartuns como Willem e é colaborador do jornal Charlie Hebdo, ironizou os “novos amigos” do semanário satírico francês, comentando a onda de solidariedade gerada após os atentados de Paris. “Temos muitos amigos novos, como o Papa, a rainha Isabel II e [o presidente russo] Putin. Isso me faz rir”, disse, em entrevista ao jornal holandês de centro-esquerda Volkskrant.


Lembrado principalmente por seu ativismo político e simpatia pela causa muçulmana, principalmente pela Palestina, o cartunista brasileiro Carlos Latuff nunca escondeu ser contrário às publicações da revista 'Charlie Hebdo' sobre Maomé.
"Não acho que essas charges deveriam ser proibidas. Mas o artista deve usar o bom senso", pondera. "Não trabalharia no Charlie. Não tenho por que fazer desenhos de Maomé sem roupa." Latuff: "Cada charge é um soco", diz cartunista brasileiro.
Ao traçar um paralelo entre o trabalho satírico na imprensa francesa e na brasileira, Latuff explica que a revista parisiense claramente provoca os fiéis, enquanto no Brasil, segundo ele, os cartunistas estão mais preocupados em fazer graça do que crítica.
Apesar de ser crítico à abordagem da revista parisiense, Latuff afirma jamais ter imaginado que a repercussão das charges tomaria proporções terroristas e afetaria o mundo inteiro.

"Fui e continuo sendo contra as charges de Maomé, mas não posso aceitar a execução sumária de quem quer que seja por causa de suas opiniões"
O ataque dessa quarta (8) não foi o primeiro ataque sofrido pela revista 'Charlie Hebdo'. Em 2011, o veículo havia sido alvo de um ataque com bomba após publicar edição sobre a religião islâmica. À época, o editor-chefe do veículo, Stéphane Charbonnier, o Charb, um dos 12 mortos no ataque, passou a sofrer ameaças de morte e desde então andava sob escolta policial. Além de Charb, os chargistas Georges Wolinski, Jean Cabut, conhecido como Cabu, e Tignous também foram mortos no ataque.
Exemplo de charge da Charlie Hebdo sobre o profeta Maomé criticada por Latuff"Creio que soubessem o vespeiro onde estavam se metendo, mas não esperavam uma reação dessa proporção", diz Latuff.




Exemplo de charge da Charlie Hebdo sobre o profeta Maomé criticada por Latuff




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