Revolta popular
no Burkina Faso
Uma revolta popular no Burkina Faso forçou o ditador Blaise Compaoré a demitir-se e a fugir do país.
Os militares tomaram o poder mas, pressionados pelas manifestações de rua, estão negociando com a oposição uma transição «constitucional».
Compaoré, um peão da França e dos Estados Unidos, estava na presidência há 27 anos. Pretendia agora alterar a constituição do país de forma a candidatar-se a um novo mandato em 2015.
A oposição, diversificada mas numa frente ampla, não aceitou o golpe legislativo em preparação e organizou em finais de Outubro gigantescas manifestações de protesto em Ouagadougou e na segunda cidade, Bobo Dioulasso.
Na capital, no dia 30, a multidão invadiu e incendiou o parlamento, a televisão pública e outros edifícios, registando-se confrontos com as forças policiais, de que resultaram mortos e feridos. O exército interveio e «dissolveu» o governo e a assembleia nacional, levando no dia 31 Compaoré a demitir-se e a fugir. Escapou em comboio automóvel, escoltado por carros blindados, até à fronteira Sul, onde foi recolhido por um helicóptero que o transportou, e a alguns fiéis, para Yamoussoukro, a capital administrativa marfinense.
Vinte e quatro horas depois, os militares assumiram o poder e, após alguma confusão, escolheram «por unanimidade» o tenente-coronel Isaac Zida, de 49 anos, 2.º comandante da guarda presidencial, para liderar um «regime de transição». Antes, durante algumas horas, o chefe do estado-maior das forças armadas, general Honoré Traoré, havia-se proclamado presidente interino.
A 2 de Novembro as «autoridades» reprimiram uma manifestação popular na Praça da Nação – rebaptizada Praça da Revolução –, convocada pela oposição, que contestava o confisco do poder pelos militares. «A vitória da insurreição popular pertence ao povo e, em consequência, a gestão da transição pertence-lhe legitimamente e não deve em caso algum ser confiscada pelo exército», declararam num comunicado partidos oposicionistas e movimentos sociais. Sublinharam no documento «a natureza democrática e civil que deve ter a transição» do poder.
No mesmo sentido surgiram declarações da mediação internacional tripartida formada pelas Nações Unidas, União Africana e Cedeao (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), que está procurando com Isaac Zida e as forças oposicionistas, encabeçadas por Zéphirin Diabré, uma saída para a crise.
A União Africana concedeu duas semanas aos autores do golpe militar para entregar o governo aos civis, sob pena de sanções.
Também dirigentes da região – os presidentes Goodluck Jonathan, da Nigéria, Macky Sall, do Senegal, e Dramani Mahama, do Gana, – previam deslocar-se a Ouagadougou para pressionar os militares a cumprir a promessa de transição num «quadro constitucional».
Com a habitual hipocrisia, igualmente Washington e Paris, aliados privilegiados do ex-presidente, condenaram «a tentativa do exército burkinês de impor a sua vontade ao povo» e pediram eleições organizadas por um poder civil.
O assassinato de Sankara
Quase 1/5 da Europa, com 17 milhões de habitantes, o Burkina Faso, um dos países mais pobres da África Ocidental, tem fronteiras com Costa do Marfim, Mali, Níger, Benim, Togo e Gana.
Antiga colónia francesa, tornou-se independente em 1960 com o nome de Alto Volta.
Em 1984, o jovem presidente Thomas Sankara, um pan-africanista progressista, admirador da revolução cubana, mudou o nome do país para Burkina Faso, «Terra dos homens íntegros».
Três anos depois, Sankara foi assassinado num golpe militar liderado por Blaise Compaoré, que encabeçou um poder autoritário e corrupto desde então até agora, acabando apeado pela insurreição popular deste Outubro.
Compaoré era uma marioneta de Paris e uma das peças fundamentais da política neocolonialista francesa no Oeste africano. A França, primeiro parceiro do Burkina Faso – onde operam dezenas de filiais de empresas francesas, presentes em quase todos os setores da economia –, dispõe de tropas em território burkinês. Ali estão estacionadas forças do dispositivo bélico «Barkhane» de luta «anti-terrorista» no Sahel, que intervém sobretudo no Mali.
No plano político, Compaoré, como um bom pau-mandado desempenhou um papel ativo, ao serviço dos interesses franceses, em várias crises africanas. Por exemplo, no golpe militar de 2012 na Guiné-Bissau – pactuando com os golpistas – e, antes disso, na guerra civil na Costa do Marfim, ajudando o atual presidente Alassane Ouattara, outro indefectível da «Françafrique», a desembaraçar-se do rival Laurent Gbagbo, a contas com o TPI de Haia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Gratos por sua Contribuição. Foi muito gratificante saber sua opinião.