Argentinos celebram Borges, Cortázar e Pessoa em 'poéticos musicais'
Poeta e músicos fazem show sobre a obra do escritor Jorge Luis Borges em Buenos Aires
Casas de shows, teatros e museus argentinos ganharam uma nova forma de espetáculo, chamados de "poéticos musicais", que combinam música e leitura de textos dos escritores argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar e do português Fernando Pessoa.
No mês passado, numa noite, mais de 300 pessoas lotaram o Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires (Malba) para assistir à apresentação sobre Borges, batizada de Lo que Borges nos contó. O mesmo espetáculo lotou a livraria, café e casa de shows Clásica y Moderna, também na capital argentina, durante mais de três meses.
Os "poéticos musicais" são cria do filósofo e poeta Santiago Kovadloff e dos músicos Marcelo Moguilevsky e César Lerner. No caso de Lo que Borges nos contó, eles combinam seleções de textos e histórias sobre o escritor com música, tocada por piano, flautas, acordeão e percussão.
Eles também realizam, separadamente, os espetáculos Informe Pessoa e Um tal Julio, de quase uma hora e meia.
O trio, que está com a agenda cheia para 2013, esteve recentemente em São Paulo e no Rio de Janeiro, apresentando o show em português.
Para Kovadloff, a plateia é diversificada porque atrai tanto os jovens que são "fãs" dos dois músicos - conhecidos na Argentina e em outros países - como leitores que "conhecem bem" os célebres escritores.
"O espetáculo atrai igualmente aqueles que às vezes não sabem ler poesia e podem sentir a intensidade da palavra dita com apoio musical", disse o filósofo à BBC Brasil.
Risos e lágrimas
Kovadloff, que morou em São Paulo durante a adolescência, traduziu livros de Pessoa, Mario Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meirelles para o espanhol. No show, ele se apresenta como "leitor" e muda os ritmos e cadência da leitura de acordo com cada texto.
"Vamos criando tons diferentes, como uma peça teatral, mas me apresento como leitor", disse.
O público ri, aplaude e se emociona com alguns dos textos selecionados pelo trio. Na apresentação sobre Borges, por exemplo, na Clásica y Moderna, alguns espectadores limparam as lágrimas quando ele leu o poema "As Coisas", que fala sobre objetos que vão perdurar no tempo mesmo após a partida de seu dono.
"Quantas coisas, limas, umbrais, atlas, taças, cravos. / Nos servem como tácitos escravos. Cegas e estranhamente sigilosas. / Durarão para além de nosso esquecimento. Não saberão nunca que partimos", dizem os versos.
O show sobre a obra e vida de Borges (autor, de O Aleph, entre outros clássicos) também provoca gargalhadas. Por exemplo, quando o filósofo conta como a mãe do escritor, Leonor Acevedo Suárez, reagiu quando já estava cansada de receber telefonemas anônimos ameaçando seu filho de morte.
"Borges era ameaçado e neste dia, ao telefone, ela disse: se o senhor está decidido a matar meu filho não terá problemas. Ele é cego e não é capaz de lutar. E se o senhor também quer me matar deve ser rápido porque já tenho oitenta anos", contou. Nas entrevistas que concedeu ao longo da sua vida (1899-1986), Borges costumava citar a mãe como grande apoiadora na construção da sua trajetória.
Emoção
O filósofo observou que o público que assiste aos espetáculos reage "emocionalmente" à "intensidade" dos textos. No verão do ano passado, cerca de 800 pessoas lotaram os jardins do museu de Arte Espanhol Enrique Larreta, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires, para assistir ao espetáculo sobre Cortázar (conhecido no Brasil principalmente pelo romance Jogo da Amarelinha).
"Em todos os casos respeitamos a estrutura dos textos. Como ocorre por exemplo com o fragmento 54, do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, que é uma ironia, ilusão sobre a identidade", disse o filósofo.
Livros do escritor português e de Cecília Meirelles costumam a ser expostos com destaque nas livrarias da capital argentina e são estudados por grupos de jovens poetas na cidade. Borges e Cortázar são nomes de praças e ruas de Buenos Aires e a Fundação Borges reúne, como disse sua viúva e herdeira universal, María Kodama, uma "infinidade" de textos, pois ele, mesmo quando já estava cego, lia e escrevia "o tempo inteiro".
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